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Nove horas da noite. Noite limpa, ventilada, céu negro, e eu sentindo esta vontade indomável de escrever. Não vou escrever poemas, pois a inspiração agora me vem diferente, fluida, sem muita ordem (ou com ordem completamente diferente, penso eu). Meu inseparável ao colo, a me amparar, e eu pensando longe, alto, pensando … Ainda há pouco estava com frêmitos, sem saber se andava, se parava, se esperava ou tentava falar. E nada fiz. Pensei: estou parecendo um adolescente apaixonado. E me corrigi de pronto: não sou mais adolescente! Não estou parecendo! E voltou tudo à mente: a imagem, o som, a poesia, o tempo… o tempo! Quem me dera dominar o tempo! Não… Não há essa necessidade. O tempo é o tempo, e nós estamos navegando no mesmo barco. Talvez precise de mudar de lugar. Talvez nem precise disso. Tanta coisa, tantas voltas para dizer que a minha alma está... está... eu estou... tantas voltas! E eu aqui, agora quebrando gelo entre os dentes, pois o copo já se esvaziou. É muita coisa que eu quero escrever, é muita coisa que quero dizer, é muito… muito mais do que quaisquer meras palavras possam transmitir. Minha mente navega, tentando captar telepaticamente aquelas palavras, aquele… estou muito reticente, eu assim me estou sentindo: muito reticente: reticente comigo, com quem eu amo, com quem me ama (se existisse a flexão, eu diria: quens). Não me sinto singular. Singular é único, e eu não me considero tal. Eu sou eu, mas gostaria de ser eus, pois é assim que me vejo. Não que eu não me sinta um ser simples. Mas porque eu amo plural. E eu tenho essa necessidade de viver plural, de falar plural: eu te amo... eu te amo... eu te quero-quero, eu tes... a gramática está ficando insuficiente para expressar todos os meus sentimentos, tudo que... e mais reticências, mais vazios (para mim não os há!). Meu vazio me completa, pois é aí, nessas lacunas de pensamento e de sentimento existentes em qualquer mortal pensante, que eu carrego e guardo toda a minha vida.
21/08/1995