Tutuca e o marketing

Tutuca e Vina saíram do escritório na hora do almoço e foram ao tradicional comida a quilo da rua Sete de setembro, aquele com uma escadinha estreita e um toldinho encardido, mas que tem um arroz soltinho e um feijão com gostinho de comida da vovó, e claro, a menina que fica na porta distribuindo as comandas é uma graça. Após baterem seus respectivos pratos assistindo ao programa vespertino de esportes e a mais uma derrota daquele estranho time de origens lusitanas, Tutuca e Vina saem do restaurante, fazem uma graça para a menina das comandas, que sempre muito simpática, retribui as cantadas esdrúxula dos dois com um sorrisinho amarelo, mas encantador, e encaminham-se à padaria para comer alguns doces maravilhosamente engordativos. Passam pelo camelô que vende aquelas agulhinhas que desentopem bico de fogão (será que alguém compra aquilo?) e entram na padaria para entregar-se ao pecado da gula. Vina observa atentamente aquele balcão cheio de doces e abelhas- uma convivência harmônica- enquanto suas papilas gustativas começam a trabalhar freneticamente, fazendo-o quase babar na gravata que ele comprou naquele rapaz que passa em todos os escritórios do Centro do RJ com uma maletinha recheada de gravatas. Seu cérebro organiza as informações recebidas, utiliza o sofisticado método de esquematização mental chamado uni-du-ni-tê, e finalmente sai o pedido:

-Me vê um mil-folhas por favor.

Momento mágico em que todo esforço empregado na bicicleta ergométrica sucumbe à magia do açucar banhando sua boca. Vina delira em microorgasmos palatares, afundando os dentes vorazmente naquele quitute, quando ao oferecer um pedaço à Tutuca, surge a polêmica.

-Vai um pedaço aí Tuca?

-Não, obrigado Vina, não sou muito chegado a doces assim não, além disso acho este doce uma enganação, aliás este não, todos.

- Como é que é Tuca?

- Verdade, pensa bem...

Pronto, estava armada a arena perfeita para as teorias cosmológicas de Tutuca, o pensador.

- Mil-folhas por exemplo, todos sabemos que é impossível determinar quantas folhas de massa tem aí, mas para dourar a pílula, diz-se que tem mil folhas. Puro marketing, você ao ouvir que vai comer mil folhas, logo sucumbe ao apelo sem raciocinar.

- Meu Deus....espanta-se Vina.

- Tem mais, bomba de chocolate por exemplo. Porque bomba? Puro marketing, bomba dá a idéia de explosão, você vai morder o doce e ele vai explodir de tanto recheio. Na verdade nem babar direito você baba, e se babar vai ficar irritado pois vai sujar sua blusa.

- Ta bom Tuca, continua vai, o médico disse para não contrariar...

- É verdade Vina, pastelzinho de Belém. Isso lá é pastel? Que que houve com o padrão de confecção do pastel? Como fica o trabalho do Xin Chang que faz um pastel ótimo lá na esquina? Daqui a pouco qualquer um vai pegar uma massa de farinha e água, colocar açúcar, fritar e dizer que é pastel! É o marketing!

- Aí não é pastel, é bolinho de chuva Tuca

- Pois é, o bolinho de chuva por exemplo....

- Chega Tuca!!! Vai filosofar para outro, vamos embora que hoje à tarde tem reunião de projeção de metas e a coisa vai ficar feia.

Neste momento, os dois passam por uma sorveteria daquelas que vendem aqueles sorvetes iguais aos das lanchonetes do Mc...então um rapaz de óculos escuros e gestos espalhafatosos grita:

-Venha freguesa, venha tomar o melhor sorvete da cidade, feito com puro leite de vacas campeãs, tratadas com milho da fazenda do vovô, ingredientes de qualidade, saboroso e cremoso, é o sorvete do Gomes.

- Peraí Vina, deixa eu comprar um sorvete

Foram então caminhando para o escritório, Tutuca lambendo seu sorvete que por vezes pingava no chão.

- Sabe Vina, esse sorvete é igual a todos os outros que existem aqui no Centro, mas sei lá, esse é diferente, é bom...

- É o marketing Tuca, é o marketing.

Arnaldo Ataulfo
Enviado por Arnaldo Ataulfo em 16/02/2006
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