Uma pedra entrou entre meu dedo mindinho e o outro que não sei o nome. Sentei no chão de terra, cavouquei entre os dedos. Aproveitei para coçar as frieiras. O sol batia forte, tardes intermináveis de antigamente, luz abundante escorrendo suor pela testa que com as fraldas da camisa enxuguei, desalinhando os suspensórios caídos de um lado. A barriga roncando de fome. Na frente o caminho de terra. No fim do caminho, o rio. Esqueci da padaria. Entre a fome e o rio, minha aventura, menino saltando cercas, roubando frutas, correndo de boi bravo e cachorro vira-lata, pé de pêra no caminho, mascar e chupar caldinho de pêra verde. Sabores. O azedo da ameixa vermelha, da amarela, todas com ferrugem no pé, um gosto de vida vibrando lembranças que se carregam para sempre e não se encontram nunca mais nas frutas importadas dos mercados. No entanto formigas sobem pelas pernas. Criança não se importa. Formiga é companheira. Melhor é cavoucar os dentes com capim com caldinho adocicado. Carregar na palma da mão os bichinhos, louva-deus, tatu bola, frutos de mamona, munição de estilingue, tormento dos passarinhos. Continuar correndo pelos campos de capim limão arranhando as pernas magricelas, Lambari rebelde e saltitante embrulhado na camisa. Exato momento em que a felicidade imperceptível explode em toda a sua plenitude. Catar e sapecar pinhão, fazer esconderijo para a munição, lavar a cara na poça d’água, voltar pra casa sem o pão que deveria comprar, com lambaris enrolados na camisa e barriga cheia de pinhão macetado a beira do fogo, sem sal, mas saboroso de meninice..