CARNAVAL: ONTEM E HOJE

O Carnaval originou-se entre os gregos e os romanos que comemoravam suas colheitas nos períodos de dezembro a fevereiro. Eram festas de gratidão aos deuses pela fartura da messe. Muitos séculos depois, extinguindo-se essa celebração, tornou-se mais tarde uma festa típica em muitas cidades.

No Brasil, o embrião do Carnaval foi o Entrudo, festa típica trazida pelos portugueses — palavra que vem do latim “introitus” e que designa as solenidades litúrgicas da Quaresma. Até a metade do século XIX foi uma festa em que a sujeira e as trocas de banhos de água davam a tônica. Os escravos a festejavam sujando-se uns aos outros com polvilho e farinha de trigo e espirrando água pelas ruas com o auxílio de bisnagas de lata, enquanto as famílias brancas, refugiavam-se em suas mansões, onde passaram também a brincar, criando as guerras das famosas “laranjinhas”, que eram pequenas bolas de cera que se quebravam ao contato com o corpo, espalhando água fresca e perfumada, ao mesmo tempo em que jogavam de suas janelas um líquido não tão agradável e mal-cheiroso na cabeça dos passantes, que pertenciam as classes escravas e populares, como se quisessem dizer: para nós da elite perfumes, para os pés-de-chinelo... Por este motivo evitavam-se sair às ruas durante os dias do entrudo. Essa situação logo forçou o surgimento dos bailes de máscara que eram realizados apenas para a elite durante o Primeiro Império, e, a partir da década de 1840, foi estendendo-se para a classe média. Nesses bailes, que eram pagos e realizados em teatros e hotéis do Rio de Janeiro, não se dançava o samba, mas sim o schottische, as mazurcas, as polcas, as valsas e o único ritmo genuinamente nacional da época, o maxixe. Somente em 1869, quando o ator Correia Vasques adaptou uma música de uma peça francesa e deu para essa adaptação o nome de Zé Pereira — a mesma música que é cantada até os dias de hoje —, que apareceram as primeiras consideradas músicas de Carnaval.

O carnaval de rua ainda não existia. Tudo girava em torno da violência e das agressões influenciadas pelo entrudo português que persistia... [há no Recife, atualmente, uma brincadeira herdada do entrudo que se chama mela-mela]. Entretanto, alguns jornalistas da época começaram a estimular a criação de carnavais mais leves e elegantes que imitassem os de Roma e de Veneza, onde as pessoas saiam às ruas fantasiadas para tomar parte no corso ou para realizarem batalhas de flores ou de confete. E um dos jornalistas que defendia ardorosamente esta forma de Carnaval era o consagrado escritor José de Alencar, o qual escreveu na sua coluna do "Jornal Mercantil" do Rio de Janeiro, às vésperas do Carnaval de 1855, a seguinte frase: "Confesso que esta idéia me sorri. Uma espécie de baile mascarado, às últimas horas do dia, à fresca da tarde, num belo e vasto terraço, com todo o desafogo deve ser encantador". Foi assim, após uma campanha dos jornalistas contra o violento entrudo e a favor do elegante carnaval veneziano, que os desfiles de rua tiveram início e o carnaval brasileiro começou a encontrar o seu perfil.

A partir daí as festividades ficaram divididas em dois tipos distintos de manifestação: um realizado pelas classes mais ricas nos elegantes bailes de salão, nas batalhas de flores, nos corsos e desfiles de carros alegóricos; e outra realizada pelas classes mais pobres nos maracatus, cordões, blocos, ranchos, frevos, troças, afoxés e, finalmente, nas escolas de samba. Assim, caótico desde seu princípio com o advento do entrudo, podemos observar que o Carnaval brasileiro sempre foi marcado pela divisão de classes sociais.

O carnaval brasileiro atingiu seu ápice nas décadas de 20 a 70. Em Poços de Caldas, minha cidade, as festas de salão eram magníficas, reunindo pessoas de todo o país e até do exterior, que brincavam e externavam seus charmes diante de orquestras magistrais, entre cascatas de confetes, serpentinas e o contagiante perfume dos lança-perfumes que inebriava os salões, oferecendo um clima de encanto e magia nos elegantérrimos Pálace Cassino, Pálace Hotel e Urca, enquanto que nas ruas os blocos caricatos entre o corso de carros que desfilavam com pessoas fantasiadas em cima dos paralamas e carrocerias de caminhões estilizados, realizavam brincadeiras gostosas, envolvendo crianças, adultos e velhos, emulando um clima de raros momentos felizes, em que as preocupações, tensões e preconceitos eram completamente ignorados.

Atualmente, tanto nos desfiles das escolas de samba do Rio e de São Paulo como nos festejos do nordeste, a divisão de classes ficou um pouco mais sutil, o que tornou o carnaval um pouco mais democrático, mas ainda há lugares em que ela persiste. Na Bahia, por exemplo, só se pode desfilar em alguns dos blocos quem tem dinheiro para pagar pelo abadá, ou nas escolas de samba do Rio que passam por um processo de comercialização, há, vez por outra, lugares onde apenas os que têm dinheiro podem brincar. Os camarotes dos sambódromos do Rio e São Paulo, por exemplo, são demonstrações claras dessa insistente e detestável divisão.

Podemos observar que no inicio o carnaval tinha propósito de celebração aos deuses, passou a ter caráter de festa religiosa, caminhou para as brincadeiras-sem-graça e violentas do entrudo português e similares de outros países da Europa, que graças a Deus não colou, progrediu para as elegantes festas herdadas da aristocracia européia, invadiu as ruas, chegando a adquirir características próprias, e hoje claramente se transforma em mega-eventos, onde os espetáculos são frutos de enormes investimentos, em que a palavra lucro é o único e legítimo momo.

O que era para ser uma festa popular onde todos pudessem se libertar dos atavismos do sistema, espairecer e se confraternizar, transforma-se em shows de imagens e deslumbramentos, patrocinados pelas poderosas redes de comunicação, endossadas por mega-empresários de diversos seguimentos, o que nos leva a ter que conformar a, no máximo, aplaudir na passarela a escola de samba de nossa simpatia, ou observar pela telinha da tevê, comendo pipoca, dando mostras claras que o processo de exclusão no Brasil já toma conta de todos os setores da sociedade, levando sorrateiramente um dos nossos poucos prazeres adquiridos com tanta luta, o Carnaval.

PAZ!

Obs. Pesquisa em diversos sites.