SONHO DA MINHA SOGRA

Minha sogra é daquelas pessoas que acreditam em assombração, lobisomem, coelhinho da páscoa e até em papai-noel.

Sempre foi muito pobre e não teve instrução escolar, fato que a levou a cultuar as crendices populares. Parece até mentira, mas quem conhece como eu a conheço, pode afirmar sem medo de errar, que ela vive num mundo de fantasias, aonde desfilam e possuem lugares de destaque os mais conhecidos personagens de desenhos animados, tais como: o Pica-pau, o Pápa-láguas, Tom e Jerry, a Bruxa malvada. Fora dos desenhos animados ainda vive o mundo do Chaves com sua trupe e o Didi Mocó (Renato Aragão) com sua turma de trapalhões.

Ainda lembro quando meus filhos eram muito pequenos, muito ingênuos, não conheciam nada que os amedrontassem. Pois quando minha sogra passou a cuidá-los, para que minha mulher pudesse sair para trabalhar, começou uma onda de personagens fantasmagóricos a desfilar pela mente das crianças. A Cuca, Mula-sem-cabeça, lobisomem, pelego (um pobre coitado que nasceu com albinismo e passava em frente minha casa diariamente), velho-do-saco, entre outros que não recordo mais, passaram a conviver com a infância das crianças.

Meus filhos não tinham medo de entrar em quartos escuros, nem de sair à rua a noite, em frente a casa. Quando minha sogra passou a conviver com eles, o assombro tomou conta de suas mentes. A época do destemor foi embora. Pois quando pisavam na soleira da porta, minha sogra sempre tinha uma palavra ou emitia algum som para assustar as crianças, que imediatamente corriam para dentro de casa, apavoradas.

Para confirmar a existência de tais personagens, quando se fazia necessário sair para ir ao armazém, ela nunca voltava normalmente, entrando pela porta da frente, como se estivesse chegando naturalmente. Antes de entrar, rodeava a casa batendo nas janelas e emitindo sons desconhecidos das crianças, para apavorá-las. Após as suas peripécias, entrava na casa como se fosse a salvadora, dizendo que tinha mandado os fantasmas embora. A ingenuidade das crianças, na época, não às permitiam ver que era a própria avó quem proporcionava todo aquele espetáculo horroroso.

Atualmente, com tanta diversidade de monstros de programas infantis na televisão, assim como em jogos virtuais, minha sogra com seus personagens ultrapassados não faria tanto sucesso com o que aprontou para os meus filhos. As crianças de hoje, até seriam capazes de identificar os sons e dizer que não eram verdadeiros, tendo em vista conhecerem todos os personagens maléficos atuais, e também, face à forma rudimentar e amadora com que minha sogra realizava seus espetáculos de terror.

Por ser uma pessoa pobre, e viver de pensão do INSS, minha sogra sempre morou de aluguel com seus filhos. Viveu a vida toda sonhando em ter uma casa própria. Nunca teve a sorte e condições para comprar uma casa e deixar de herança para este genro. Azar o meu. Ainda bem que com o passar dos anos, e a sorte sorrindo para o meu lado, pude fazer umas economias e, tendo aparecido uma boa oportunidade, comprei um terreno com uma casa em construção. Assumi o financiamento habitacional em andamento. Realizei a compra com o conhecido contrato de gaveta.

Minha mulher e eu juntamos uns trocados, entramos num financiamento bancário e acabamos de construir a casa, que seria destinada para abrigar minha sogra. Se não fosse desta forma, ela jamais teria como morar sem pagar um aluguel.

Pois foi num final de ano que a casa ficou pronta, se bem me recordo, no dia 15 de dezembro. De comum acordo, minha mulher e eu, resolvemos construir a casa sem contar para minha sogra. A malvada já andava desconfiada de nossas saídas freqüentes, sem ao menos dizer direito aonde iríamos. Com a casa pronta, resolvemos esperar o dia 25 de dezembro, dia de Natal, para fazermos uma surpresa para minha sogra. Daríamos a casa para ela morar com seus dois filhos, livrando-a do eterno e penoso aluguel.

Tendo em vista que a velha sempre dizia que acreditava em tudo o que é irreal, e o que vive no imaginário das pessoas, resolvi fazer uma pegadinha com ela. Estava disposto, antes de dar-lhe posse das chaves, testar a sua crença em tudo o que dizia crer. Encontrei uma chave usada perdida no lugar aonde guardo bugigangas para fazer a manutenção de minha casa. Peguei a dita chave e guardei comigo. No dia 24 de dezembro, após os discursos e entrega de presentes de Natal, também dei para minha sogra aquela chave que havia encontrada perdida nas minhas bugigangas.

Ao dar a chave de presente para minha sogra, disse para ela que o Papai-Noel havia deixado uma chave para ela, e esta chave, era da casa que ela sonhou ter, durante toda a sua vida. Ela riu muito e guardou a chave. No dia seguinte, dia 25 de dezembro, convidamos a velha para dar um passeio. Nada falamos na ocasião sobre a casa. Como ela havia deixado a chave em cima da estante da sala, peguei-a e coloquei no bolso. E fomos passear no bairro, como se nada fosse acontecer. Num bolso carregava a chave verdadeira da casa, no outro bolso, a chave fajuta que havia dado para a minha sogra. Ao passar pelas casas perguntava para ela - Que tal esta casa, serve para ti. Ela sempre respondia que sim. Quando chegamos em frente a casa que seria dela, resolvi me divertir um pouco com a pobre da velha. Disse para ela o seguinte: - se tu acreditas em Papai-Noel, como sempre dizes, pega esta chave e abre aquela porta. Se abrir a casa é tua.

Minha sogra, como era de esperar, confirmando a minha pergunta, disse que acreditava. Claro que na hora entreguei a ela a chave fajuta, tendo ficado com a verdadeira no bolso.

Sem pestanejar a velha pegou a chave, pois imagino que já desconfiava de nossos planos, meteu no buraco da porta. Nós, que não entramos no pátio da casa, ficamos no meio da rua. Confesso que me diverti com a cena da pobre coitada. Vejam se isso é coisa que se faça com uma pessoa velha, mas como diz o ditado “sogra não é parente ...” , deixei correr a história até o fim.

Mas depois daquele dia, comecei a repensar algumas crenças e historias infantis que a velha sempre acreditou.

Para minha surpresa, e o espanto da minha mulher, seguida de uma crise de risos e gargalhadas, assistimos minha sogra colocar a chave na porta e abrir a casa. Não acreditávamos no que estávamos vendo. Ela feliz da vida, sorrindo na porta da casa dizia-nos alto e bom som, - viu como Papai-Noel existe.

Até hoje não consigo entender a coincidência. Como é que aquela chave velha tinha o mesmo segredo da chave nova que pertencia a fechadura da casa? Se me contassem não acreditaria, mas a força da crença de minha sogra, penso que foi maior do que a minha intenção de realizar uma sacanagem para a pobre velha.

Hoje ela vive feliz na casa que construímos para ela. Continua contanto as suas mesmas histórias de antigamente, mas tenho a certeza que as crianças de agora não acreditam mais. Uma coisa eu não posso negar que aprendi com minha sogra e com toda esta história: que o Papa-Noel existe, isto eu não tenho mais nenhuma dúvida.

Camponez Frota
Enviado por Camponez Frota em 14/09/2008
Reeditado em 19/07/2010
Código do texto: T1178071
Classificação de conteúdo: seguro