Uma visita à uma tribo Kaiapó

Lá estava eu mais uma vez dentro de minhas recordações que se perdiam em cada novo objeto que via. Eu imaginava que poderia ter existido em algum lugar do passado da raça humana um povo que havia habitado aquele lugar.

Os cacos de cerâmica que eu podia juntar aos montes mostravam uma realidade que se foi há muito tempo atrás e que se encontrava esquecida.

Para resgatar lembranças e recordações de um povo, necessário seria imaginar através da mente aberta e procurar encontrar o nexo causal de fatos e atos que foram esquecidos.

Como homem, imagino fatos e obras criadas por seres humanos que viveram naquele lugar sem, no entanto se preocupar com o futuro. O futuro para eles era apenas um aspecto de uma realidade que poderia ou não se concretizar

Hoje, no entanto preocupado com fatos que eu imagino, caminho por entre leirões da terra que fora desmatado e que já se encontra arada.

A terra ao ser revolvida, expôs os restos da história que se encontrava escondida sob a terra.

Enquanto caminho, meu pensamento se ausenta do presente em que me encontro e tento alçar vôo e voltar ao passado.

Em que época do passado teria surgido tanta obra que se encontrava perdida e esquecida?

De repente ouço vozes que se propagam através do vento que refresca o tempo já quente pelo avançado da hora.

Ouço pessoas em conversa acirrada em algum lugar perto de onde me encontro.

Sigo andando com certa dificuldade em razão da terra que se encontra fofa. Ela fora arada e se encontrava solta e fácil de se trabalhar após o plantio.

O barulho das vozes aumenta, eu, no entanto ainda não consigo saber de onde elas vêm e parando tento descobrir. Quero distinguir as palavras para entender o sentido delas. Mas apenas distingo murmúrios e gritos de crianças que brincam e se divertem.

Continuo procurando descobrir o rumo dos sons que me chegam de certa forma inteligíveis, pois não consigo entender nenhuma palavra.

Somente ouço murmúrios e palavras sem nexo, continuo sem entender nenhuma palavra. Enquanto o barulho aumenta, prossigo minha jornada.

Logo à frente no meio da mata numa vasta clareia vejo malocas erguidas dentro de um círculo limpo de terra socada que mostra o tipo da vida do povo que nela habita.

Imagino ser sonho por me encontrar no presente, vendo uma aldeia de um povo quase selvagem que no passado habitou e viveu naquele lugar. No presente momento, no entanto eu vejo uma autêntica aldeia do povo Kaiapó.

Continuo andando com intuito de chegar mais perto do lugar que vejo. Pessoas transitam por entre as malocas na lida do todos os dias na eterna labuta pela sobrevivência.

Algumas crianças e mulheres sentadas no chão perto das malocas se ocupam em trançar de forma ágil, esteiras usando folhas de palmeiras tão comuns naquele lugar.Um pouco adiante um velho se encontra sentado em cima de um tronco, fumando um tosco cachimbo feito de barro e entre uma baforada e outra escarra.

Um pouco à direita de onde o velho se encontra, um jovem e forte guerreiro maneja de forma grotesca uma borduna de madeira. Instrumento trabalhado para enfrentar as feras que poderia encontrar nas matas daquele lugar remoto.

Diante da manobra da borduna, golpeando algo invisível, um sagüi que se encontrava perto se agita e corre subindo na maloca. Espreita com olhos aguçados como se esperando nova investida do guerreiro, enquanto emite ruidosos sons.

Um menino esbarra no jovem guerreiro e este num gesto de intolerância, grita palavras que não consigo entender, mas noto que são palavras de repreensão.

A arrogância da juventude também se evidenciava nas sociedades mais primitivas e naquele momento fico convencido disto quando vejo as atitudes do guerreiro.

Outras crianças se juntam às mulheres ativas que trabalham a palha.

O velho se levanta com dificuldades e se dirige para algum lugar na mata para cumprir o eterno ritual de todos os seus dias.

O sagüi continua assustado e corre de um lado para outro e volta e meia salta nas costas das crianças que estão em torno das mulheres na lida.

As palavras se sucediam sem, no entanto eu conseguir entender nenhuma palavra. Aqueles grunhidos era a única comunicação daqueles que viviam no meio de toda a riqueza da floresta e das águas que corriam ali bem perto.

A fumaça que saia no topo da maloca indicava que alguém estaria utilizando o fogo. Muitos acreditavam que o fogo ainda não era utilizado por sociedades primitivas.

A guarda do fogo é de certa forma uma necessidade de sobrevivência. Logo após saiu da maloca uma índia velha e banguela, com cabelos soltos e lisos descendo sobre o dorso nu. Os seios secos e pendurados denunciavam o excesso de uso.

As cinzas em seu rosto encarquilhado indicava o que ela estaria fazendo ali dentro da maloca.

Quando se dirige para fora da aldeia leva nas mãos um pote de barro com dificuldade em virtude do peso.Ela vai a um riacho que corre ali perto buscar o precioso líquido.

As crianças brincam do lado de fora das malocas, expondo toda sua nudez, do jeito que vieram ao mundo.

As mulheres que usam apenas um tapa-sexo transitam normalmente, enquanto os seios expostos pendem secos e vazios pelo constante uso das crianças que neles ficam pendurados.

Os homens cobrem o sexo com pequenos adereços que são presos ao corpo com embiras que lhe circundam a cintura.

Pequenas moçoilas ainda no viço da juventude retêm um pouco da doce e selvagem beleza própria da raça. Não se preocupam com as mazelas comuns dos civilizados que se esforçam por cobrir-se de roupas para tira-las tão logo seja solicitado.

Guerreiros que haviam saído ainda bem cedo retornam, trazendo pendurados um enorme veado, que fora caçado. Carne que irá abastecer a aldeia por dois ou três dias seguidos.

O guerreiro que parecia ser o chefe fala alguma coisa para os outros e se dirige a uma maloca e por lá permanece algum tempo. Outros guerreiros efetuam o descarne do animal, com facas feitas de ossos e algumas de metal, que talvez tenham sido conseguidas do homem branco.

Observo detalhes da vida numa sociedade primitiva, sem os ranços e as dores da sociedade moderna que escraviza e atormenta o homem que se diz civilizado.

Enquanto o tempo passa noto que outros guerreiros se aproximam vindo da direção do rio trazendo diversos peixes numa espécie de corda trançada com folhas de palmeiras.

Embora nada entenda, ouço a conversa entre os membros da tribo que prestam contas das obrigações do dia a dia. Algumas mulheres ralam mandioca em cima de pedras colocadas perto do fogo no centro da taba.

Um pequeno índio chega correndo esbaforido e fala alguma coisa aos mais velhos que logo após seguem o menino mata adentro, levando bordunas, arcos e flechas. Parece que se dirigem ao lago que fica ali perto.

Fico observando atentamente os detalhes. Os jovens seguem os mais velhos que lhes determinam o que deveriam fazer.

Enquanto meu pensamento voava alto notei o retorno dos índios que vinham da mata, trazendo uma enorme cobra que parecia ser uma sucuri.

Ela estava cheia, havia se alimentado e com a ingestão da presa tinha ficado inofensiva ao ataque dos índios.

O enorme réptil é colocado no chão e muitos se aproximam empunhados paus e pedras como se ainda restasse um pouco de vida ou que ela viesse representar perigo aos membros da aldeia.

Uma índia já de idade empunhando um enorme pedaço de pau bate-lhe a cabeça com força por diversas vezes e depois é seguida dos outros. Agem como se estivessem executando uma vingança.

Naquele momento eu entendi que alguma sucuri deveria ter se alimentado de algum parente da velha índia. Ela não se cansava de bater e falar palavras como se o réptil pudesse entender.

Passados alguns minutos daquela cena patética um guerreiro com uma faca se dirige ao animal e começa lhe tirar a pele. Depois abre as entranhas do animal e expõe sua presa. Um pequeno veado servira de alimento ao guloso réptil.

As cenas que vejo acelera meu coração que começa a bater mais forte diante da cena que acabara ver. Naquele momento consegui montar um painel do passado daquele povo,

que se especializara e vivia livre de todas mazelas.

Ali no meio da mata parte do orgulhoso povo Kaiapó vivia livre, sem sofrer com a aproximação do homem branco que só viria aparecer por aquelas paragens muito tempo depois.

O som do trovão me acordou daquele sonho maravilhoso. Eu procurava sentir e entender todos os pensamentos daquele povo.

Ao acordar senti-me como se estivesse vendo algo real. Tentei entender se era um sonho. Naquele momento pingos de chuva começaram a cair em minha cabeça.

Olhei para o céu que antes claro agora se achava escuro e ameaçador.A chuva estava preste a cair e eu precisava me apressar.

Apressei os passos e logo cheguei a casa onde sempre me abrigo durante o dia e na noite para proteger-me dos perigos normais da região.

Após momentos de reflexões fiquei tentando entender se o que eu vira fora real ou imaginário.

05/03/03

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 10/03/2006
Reeditado em 10/10/2007
Código do texto: T121528