Mas que bicho petulante!

Há algumas centenas de milhares de anos, devido à divindade e beleza do acaso (ou pura e simplesmente por uma peça pregada pela Natureza), surgiu rastejante pela Terra o homem. O famoso ser humano. Viria para abalar estruturas, p’ra sacudir aquele mundinho que, até ali, só tinha podido se deleitar com répteis gigantescos e monstruosos. Nada com muito charme e elegância.

Pois bem. Por causa deste acaso – que beleza! –, cá estamos. Arrisco dizer que tenho orgulho de ter tido a chance de nascer homem, bichinho esperto.Tão esperto que é dono da verdade, do céu e da terra, da Natureza e, inclusive, do acaso. Espanta-me tamanha petulância; essa maravilhosa mistura de arrogância e simplicidade. Por que diabos? Quem se pára para perguntar acha uma resposta, e cá estamos de novo com a petulância.

Qual o problema em ser só mais um? E eu respondo, e contradigo o que disse antes, já que nosso querido Karl presenteou-nos com a dialética (podia ter acabado por aí). De novo, por favor, em uníssono: “Qual o problema em ser só mais um?”. A petulância! Brincadeira, não quero ser aqui repetitivo.

É paradoxal – salve Carlão! – a patologia humana em não querer ser só mais um; melhor, querer ser só mais um não é possível, assumo o fato, mas assumir ser só mais um não implica em não ser. Entende? Assumir a passividade, a mortalidade e a limitação não supõe que deixemos de lado o fato de sermos ou termos algo de especial, um quê a mais. Felizmente ou infelizmente, fiquemos com a dúvida, a brincadeira feita pela Natureza resultou em algo mítico. Como pode algo supostamente pura fisiologia criar aquilo que transcenda seu estar-no-mundo?

A reposta final não existe – não me protegendo daquilo que disse antes, não – já que temos o déficit de ser só mais um em última análise; não possuímos o conhecimento das cosias, não tiramos o conhecimento das coisas: nós o criamos.

Quebramos nossa cabeça para – Eureka! – moldar algo que se dá para nós da forma mais verdadeira em algo novo que nos possa fazer sentido. Querem nos separar do mundo! Mas que mundo há sem ter alguém para percebê-lo? E de que modo poderíamos ser sem uma penca de objetos? Não somos separáveis! Não somos pronto, acabou. Somos daqui p’r’a frente, p’r’o lado e p’r’o outro; e as coisas surgem neste encontro. Diga-me, por favor, para que continuar inventando novas coisas metafísicas e arbitrárias a partir deste encontro? O encontro não basta?

Sou suspeito para falar, mas que inconveniente foram Descartes, Comte e seus pupilos. Inundaram e poluíram a cabeças das pessoas com o não-real. Razão de cu é rola, meu caro. A única coisa que fizeste foi criar o não-presente, o que não-se-dá no encontro.

Sejamos autênticos em nossas relações interpessoais e intrapessoal. Sejamos humildes o bastante para assumir aquilo que as coisas nos dão. Por comodidade sempre reduzimos o novo persuasivo e ameaçador em um velho gasto e tranqüilo. E cá estamos novamente às voltas com as peripécias cartesianas.

Eu gosto de assumir, de poder estar errado; recebo notícias avessas a mim com a maior honradez possível, com o maior afeto e gratidão. Por isso não descarto de modo algum a utilidade prática dos positivistas fanfarrões. Mas ficamos nisso: praticidade. Nada é melhor que este modelo para levantar alguns prédios, ligar um lado do rio ao outro, etc. E paremos por aí. No mais, só serviram para limitar nossas possibilidades. Contradisse-me de novo? Pois é, foi petulância da minha parte.