ONLY A DREAM IN RIO

APENAS UM SONHO NO BRASIL

Nelson Marzullo Tangerini

Aconteceu isto em 1985. O cantor e compositor americano James Taylor estava parado há uns dois anos ou três. Deprimido, não sentia mais prazer em compor, tocar ou cantar. O Rock in Rio fê-lo renascer. Aceitou o convite do Sr. Medina e veio cantar no Brasil.

Em suas apresentações, o público cantava You´ve got a friend e Fire and Rain num inglês perfeito.

Carinhosamente, Mr. Taylor compôs Only a dream in Rio (Apenas um sonho no Rio) e gravou-a no LP That´s why I´m here (O porquê de eu estar aqui). Canta um pedaço em português, como forma de agradecimento àqueles que cantaram suas músicas em inglês e tece comentários realistas quanto a vida cotidiana nesta turbulenta cidade do Rio de Janeiro: crianças famintas e uma polícia violenta.

A parte mais bonita é, sem dúvida, quando ele diz, em inglês: “Estranho sabor de fruta tropical, romântica língua do português, melodia numa flauta de madeira, samba flutuando na brisa de verão”. James Taylor aí descobre a romanticidade, a romanicidade e a rusticidade da língua do português, somadas à melodia tropicalista – sim, romântica língua do português, e não romântica Língua Portuguesa, magnificamente ampliada pela genialidade do povo brasileiro.

Poucos entenderam a mensagem, como poucos têm dado valor significativo à Língua Portuguesa, esta língua que chegou ao Brasil, com Cabral, a 22 de abril de 1500. Hoje, ela está enraizada em nossas vidas. Sonhamos com ela, dormimos com ela, com ela amamos. Por que negá-la, justamente agora, em meio a comemorações e a protestos contra os 500 anos de “achamento” do Brasil? Não devemos, é claro, nos esquecer de todos os erros do colonizador, da carta etnocêntrica de Pero Vaz de Caminha, sem, contudo, admirar o talento e a coragem daqueles homens rudes e destemidos que atravessaram mares nunca dantes navegados com caravelas simples, de acordo com a tecnologia da época.

Não, não se trata, aqui, de fazer defesa do idioma do colonizador português. Não se trata de fazer com que os poucos índios que ainda restam e ainda resistem, falem o língua do português. Não. Temos de defender a idéia de que os índios devem permanecer índios e puros, a preservar florestas, defendendo suas culturas e suas línguas.

Mas, aqui, do outro lado do Brasil, canta o poeta Caetano Veloso, que fala por Fernando Pessoa, não mais português: “Minha pátria é minha língua. Fala Mangueira!”

Antônio Houaiss, quando vivo, pedia amor à Língua Portuguesa – antes que falemos inglês – e sonhava com uma Comunidade Lusófona. Inspirado neste sonho, Martinho da Vila partiu para um trabalho ousado, fugindo do rótulo World Music: a gravação do CD Lusofonia, tentativa inédita de reunir os filhos da Língua Portuguesa.

O Brasil é, hoje, o maior país de Língua Portuguesa do mundo. Nossa Língua, no momento, é a 6ª mais falada do mundo. E graças a nós, brasileiros. Sendo assim, ela não mais pertence, exclusivamente, aos portugueses, mas aos brasileiros e a todos os seus usuários. É como se a Língua Portuguesa tivesse caído em domínio público dentro da Comunidade Lusófona. Tem maturidade o Brasil, portanto, para discutir os rumos da Língua Portuguesa no mundo – mesmo que reacionários portugueses dêem o contra. A Língua é minha, é de ti (leitor) e de todos nós. “E eu não tenho Pátria, e quero Mátria, e quero Frátria”.

Através desta Língua, estaremos todos juntos: irmãos de Portugal, Angola, Moçambique, Timor Leste, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde...

E o Brasil é quase todos estes países juntos (mais o índio – até aqueles que morreram em holocausto, mas que deixaram expressões que se tornaram topónimos em nossos bairros, em nossas cidades e em nossos estados). Temos tantos traços em comum. A África, assaltada por escravocratas, teve muitos de seus filhos seqüestrados e condenados ao trabalho escravo, árduo, exaustivo e desumano, sob o sol escaldante do Brasil. Os negros, também vítimas de um holocausto, deram a sua valiosa contribuição cultural ao Brasil, através da arte – vide Aleijadinho, barroco, entre outros - e de vocábulos que se espalharam pelo universo da Língua Portuguesa. Esmagados pelo colonizador, foram, como os índios, proibidos de falar suas línguas maternas. Uns poucos resistiram como puderam.

O importante, neste momento, para nós, falantes da Língua Portuguesa, é fazermos a tão sonhada Simplificação Ortográfica, respeitando, porém, as diferenças dialetais e os diversos falares em torno do idioma - a maneira de pronunciar um fonema, por exemplo. Não haverá desrespeito algum à obra de Glauber Rocha, Guimarães Rosa (tão apreciado por Eugénio de Andrade), Oswald de Andrade... Outrossim, devemos continuar a respeitar, também, as diversidades étnicas, culturais e lingüísticas existentes no Brasil e no mundo.

Desta forma, viveremos como irmãos e descobriremos a riqueza da diversidade, da Língua que falamos, e a partir daí seremos uma verdadeira Frátria. E vamos passar a perna nos americanos.

Baseado no texto A informática é nossa,

Publicado no JORNAL DO COMÉRCIO, Suplemento JC,

Pág. 4, Manaus, AM, Domingo, 12/10/1986,

e no jornal A REBÚBLICA, Suplemento JORNAL DA

CULTURA, pág. 5, Natal, RN, 25/01/1987.

Texto revisado e aumentado pelo autor em 28/01/2000.

Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, fotógrafo, poeta, compositor e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.

nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br

Blog: http://nelsonmarzullotangerini.blogspot.com/

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 27/10/2008
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