Esta é uma manhã que começa com uma narrativa. Que se estende para uma consideração. Que se amplia para enquadrar uma paisagem. Não há muita beleza nessa paisagem. Não há movimentos de luz e sombra na imagem.  Há apenas a cintilância de cristais reverberados em algum ponto que a lente não pode alcançar, mas que a escritora vai lhes apresentar.
 
Começa assim: ontem a tarde eu estava considerando uma única possibilidade para a noite de sexta feira. Então, recebi um e-mail do Projeto “Há Vida Sensível na Terra.” Achei o e-mail de uma delicadeza total flex, respondi com as melhores palavras que pude encontrar  e a vida andou.
 
Era aniversário da Silvia e havia a se considerar a possibilidade de participar de uma dessas festas que colocam um pobre frango morto na telha quente.  E maior é a multidão da região que acorre para o ver o frango esturricado na telha do que aqueles que viriam para vê-lo vivo, assustado, ciscando, tão filho de galinha. Eu não aguentaria a multidão enfurecida, e aguentaria muito menos pelos seus motivos canibais: afinal o que somos nós, se não assustados filhos de galinha, nesse mundo de tantas mortes possíveis?
 
A segunda opção era pois, ficar. E ficar equivaleria a ficar. Foi então que algumas palavras do e-mail “há vida sensível na terra” começaram a ganhar força dentro de mim. Por que sim? Por que não?
 
O jantar com Dany Ziroldo foi só uma consequência de se examinar com carinho uma possibilidade: a possibilidade de considerar novas possibilidades.
 
Dany Ziroldo é escritora do RL há quase 2 anos. Moramos na mesma pequena cidade, somos ambas seres que se descrevem,  mas não nos conhecíamos. Nem mesmo de vista. 

Um dia, Dany, que chegou primeiro ao RL, resolveu pesquisar no Google se havia mais alguém da city e  deparou-se com o meu nomezinho. De nome, ela me conhecia. 

-Mas então é assim: “essa mulher escreve? Esse ser que ninguém vê realmente existe?”
 
A partir daí ela resolveu conferir e passamos a trocar e-mails e figurinhas. Mas não nos conhecíamos.
 
Um dia, uma outra colega do RL fez a constatação: -“você mora na mesma cidade da Ana Maria? Como ela é?” A resposta foi: -“eu moro na mesma cidade, mas não a conheço ainda.”
 
Verdade seja dita: há algum tempo eu vinha observando que esse conhecimento estava virtual demais para os limites desse estreito município e esse comentário só explicitou o que eu já sentia: vontade de conhecer a Dany Ziroldo.
 
Mas nem sempre o toque interno nos encaminha diretamente para a resolução externa. Foi aí que surgiu o e-mail “vida sensível na terra.” Que não disse muito, mas ainda assim falou. E de tudo o que falou, sem assinar, sem caprichar muito na redação, uma mínima palavra ganhou força para remover a pedra. Afinal, eram várias pedras. Mas se a de dentro, já pesava tão pouco, por que não remover as demais que eram tão pequenas?
 
Encontrar o telefone de Dany, assim de última hora não foi tarefa das mais fáceis. Mas também não foi impossível. Telefone na mão, trimmmm, do outro lado Dany ganhou a voz do verbo, e do verbo fez-se a ponte, e da ponte fez-se a vida.
 
O jantar foi nesse lugarzinho aí, perto da rodoviária, onde se encontram três coisas que me enternecem: comida boa, mendigos de passagem pela cidade e cachorros com fome. Estranhamente, ontem a terra estava silenciosa: nem mendigos e nem cachorros – o céu preparou tudo. O céu preparou a  Dany Z. com o seu vasto mundo interior e contido, mais a Ana Maria com o meu vasto mundo interior esparramado por todo o Brasil via web – Ai meu Deus! - e mais a possibilidade de compartilhar tudo o que aprendemos no RL. 
Foi tanto mais tanto,  que a hora passou e nem nos demos conta.
 
Conversar com alguém que escreve é um mundo que se cria à parte do mundo que lê. Porque o escritor é feito de idiossincrasias que são hilárias, de paixões que se equivalem, de angústias que se dimensionam exageradamente amplificadas, não somente no ato de escrever, mas a posteriore. Descobrimos Dany e eu, o que muitos de vocês já devem ter descoberto com certa compreensão antológica: o escritor é um ser que precisa desesperadamente de um ouvido. Mas esse ouvido precisa estar nos olhos. Podemos ser vocacionados para falar, para ouvir, e para sermos ouvidos,  mas a nossa preferência é sempre pelo papel. O papel nos atrai mais que tudo. O papel é o nosso palco e a nossa defesa. O papel é o nosso escudo. E só abrimos mão da caneta e do papel se realmente sentirmos que vale a pena a troca pelo mundo dos vivos.  Apenas se o mundo dos vivos não for mundano demais, raso demais, estreito demais, então nos movemos.
 
E ontem, valeu a troca! Dany: há muito tempo eu não me esparramava tanto. Há muito tempo também eu não era ouvida tanto, por dois ouvidos atentos.  E há muito mais tempo ainda,  eu não sabia o que era ser tão falante. E tão menina. E tão explícita. E por que não dizer: também tão feliz!  O nosso jantar foi “tanto”.
 
Alô terra! Há vida sensível na terra? Sim, há vida sensível na terra. Há um amor eficaz que resolve. Há uma capacidade de resolução que não depende de decretos, de apresentações, de explicitações. E nem mesmo de assinaturas. Você esqueceu de assinar o email, esqueceu de dizer o seu nome, mas não esqueceu de  exercer a sua sensibilidade. E sensibilidade não precisa ter nome, nem cpf, nem endereço, basta existir e fazer contato. 
 
Alô terra!!! Grande beijo para todos vocês – os seres sensíveis da terra. 

* A imagem mostra Dany e eu - maquiagem borrada de tanto rir, rir até às lágrimas. Não adianta - fui feita de extremos.

 

Ana Ribas
Enviado por Ana Ribas em 08/11/2008
Reeditado em 08/11/2008
Código do texto: T1272372
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