PASÁRGADA VIA SATÉLITE

Final de tarde, fim de expediente de trabalho, rosto abatido, semáforo fechado. Por trás dos vidros escuros e lacrados, o enorme congestionamento de automóveis é a exaustão durante a tentativa de ouvir o último CD do Lulu.

Os ponteiros do relógio arrastam minutos e segundos, enquanto executa-se a tarefa de localizar o molho de chaves e o controle remoto do portão de acesso à garagem, entre as tantas quinquilharias inúteis.

Finalmente, em frente ao portão, antes de acessar o controle, há necessidade de observar a rua. Ninguém suspeito, nenhum acidente de trânsito, ninguém armado, ninguém encapuzado, tudo em ordem.

Chegar à casa é vencer a batalha do dia, é transpor o fogo, são e salvo. Depois das portas trancadas, o direito ao oxigênio, ao banho, ao chinelo, ao pijama e o sofá. Controle remoto na mão, mundo digital, alta definição. Início da viagem para Pasárgada, onde tudo é possível. O mundo bucólico que resgata um tempo esquecido na memória, mas que um dia existiu de verdade.

Basta um clique, e lá estão praias desertas e paradisíacas; crianças que soltam pipas, lugarejos aconchegantes com casas entre gramas e jardins, onde borboletas coloridas sobrevoam janelas e varandas.

Um clique no controle faz surgir botes em corredeiras, jipes possantes que desafiam lamaçais entre montanhas e córregos limpíssimos.

A nova margarina é anunciada por uma família perfeita que toma café da manhã sobre uma grande mesa de toalha branca que contrasta com o verde da paisagem circundante.

Não é sonho, não! O creme dental é o símbolo da felicidade em bocas e sorrisos perfeitos, como os da moça seminua que anuncia a cerveja que foi encontrada nas geleiras do Alasca, para onde o cartão de crédito pode levar qualquer ser humano normal.

O plano de saúde torna qualquer um imortal, enquanto o desodorante, magicamente mexe com os hormônios das mulheres mais lindas.

Não é loucura, não! Segundo a publicidade, dinheiro pode comprar a paz e a felicidade anunciadas via satélite, porque um dia tudo isso foi verdade.