Quando ser solidários

Quando ser solidários (Catástrofes)

A Terra sacudiu-se como um cão a livrar-se das pulgas. Ondas gigantescas varreram nações e ceifaram milhares de vidas, como se fosse a língua de um gato a lamber-se das sujeiras.

A natureza cuida de tempos em tempos de sua higiene. Não escolhe bons ou maus nesse processo. Os furacões matam crianças, velhos e adultos, sejam santos ou pecadores. Os terremotos soterram os justos e os infames. Os vulcões cobrem com fogo e enxofre os poetas e os marginais. Nestes atos naturais ceifa-se o joio e o trigo.

A humanidade queda-se perplexa. Os ateus sacodem os ombros e reafirmam a inexistência de Deus. Os crentes falam em desígnios divinos. Eu apenas me espanto e vejo meu planeta como um imenso organismo vivo que se renova de tempos em tempos.

Micróbio que sou aguardo minha vez. Talvez eu vá em meio a uma catástrofe natural; talvez eu desapareça num acidente, como um tumor extirpado cirurgicamente. Talvez eu parta silenciosamente, discretamente como as milhões de células que nosso corpo elimina a cada segundo em todos os dias de nossas vidas. Nada é para sempre.

Enquanto se pranteiam as vítimas do Tsunami e resgata-se e tratas-se e se busca um pouco de dignidade para os sobreviventes, vemos com lágrimas de emoção o quão bom é o ser humano, como a fraternidade explode em ondas tão gigantescas quanto aquelas que causaram tanta dor. Pergunto-me qual a razão das melhores ações e emoções humanas só virem à tona quando as desgraças acontecem.

Será que nossa solidariedade está condicionada ao impacto do momento? Continuaremos solidários nos próximos meses? Lembraremos dos mortos quando estes virarem história e estatística?

O estender de mãos deveria ser diário, rotineiro, puro; sem precisar que nossa consciência seja abalada pelas desgraças do mundo.

Somos pequenos. Seríamos grandes se nossa solidariedade fizesse parte do jeito humano de ser.

Borda da Mata, 20 de janeiro de 2005