MARGARIDAS AMARELAS

Era manhã. Manhã de sol fulgurante. Uma leve brisa beijava as folhas em sussurros que jamais saberei. Talvez falassem de segredos. Ou lembranças. Quem sabe saudades. Mas o sol convidava-me a andar pela velha estrada. Pelos verdes campos...
Foi então que me vi mais uma vez naquela estrada. A velha estrada de tantos anos. A velha estrada por onde passaram tantos tropéis. Tantos passos...
Mais uma vez me entreguei a meus próprios passos naquela velha estrada com destino ao mais belo paraíso. Surpreendi-me refazendo aquele passeio após tantos anos. Um passeio matinal e domingueiro que me lembra meus tempos de menina.
Parecia que nada havia mudado com a diferença de alguns sulcos impregnados na estrada cansada. Os campos ainda eram os mesmos onde outrora corri a colher flores. Acho que só eu mesmo mudei. Mas de repente me vi menina... O cheiro da primavera em minhas narinas a aguçar minha vontade de andar por aqueles campos. Vi-me correndo entre o capinzal verde... A brisa da manhã a tocar levemente os cabelos curtos e com franjinhas. A saia rodada do vestidinho florido a ondular-se acompanhando meus movimentos fogosos... O chinelinho havaiana nos pés miúdos... No rosto o sorriso mais maroto que jamais tive outra vez.
Com esse pensamento e ensaiando o mesmo sorriso maroto misturado a uma lágrima vadia que teimava descer na face, saí da estrada quase automaticamente seguindo um velho ritual de muito tempo atrás. Foi então que percebi que muitas margaridas amarelas salpicavam o verde recém-chegado da primavera. E somente então percebi que era também primavera. Uma primavera que há muito não percebia nessas correrias de minha vida no meu mundo de concreto armado. Mas seu cheiro me atraíra como nos velhos tempos e segui seu perfume sem mesmo perceber.
Andei silenciosa entre as margaridas amarelas, admirando-as quase como uma prece muda. Vi-as rasteiras ou em talhes altos que balançavam ao sabor do vento. Mas eram todas amarelas e brilhavam à luz do sol daquela manhã. Toquei-as com os olhos e depois com as mãos em um toque quase sutil.
Esqueci das horas a caminhar naquele jardim silvestre. Desprendida. Quase criança. As mãos a colher margaridas e o olhar brejeiro a disputá-las com as borboletas da mesma cor. Eram muitas que sobrevoavam aquele paraíso. Por um momento as imaginei como pétalas de margaridas levadas pelo vento.
Foi então que me dei conta de que nesse lugar todas as primaveras são iguais apesar dos anos que se passaram. Apesar do outono de minha vida. Apesar das agressões à natureza. Aqui o verde é sempre o mesmo e as margaridas sempre amarelas. Nada fora do lugar. Nada desigual. Tudo perfeito. Penso que só eu mesmo mudei, embora nessas mudanças tenha nascido uma alma poeta. Uma alma poeta que escreve com as linhas do coração os versos da saudade...
Percebi que dentro desse jardim natural, a alma interliga à terra, ao amarelo das margaridas. Belos são os dias. Cheio de luz. O sol sempre a iluminar esse quadro perfeito que não tem molduras. A leve brisa a rascunhar sorrisos em meu rosto e versos na minha alma poeta.
Fascinada andei quase sem destino naquele paraíso. As lembranças soltas qual borboletas. Minha alma tornou-se menina como nos velhos tempos. Em minhas mãos balançava suavemente um buquê de margaridas amarelas... E na minha alma palavras verdes como esses campos... Talvez um dia se transformem em poemas. Poemas que reverencie as lembranças. A natureza. Talvez já sejam poemas no mais íntimo de meu ser... 
 

 
Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 09/12/2008
Reeditado em 28/03/2021
Código do texto: T1326052
Classificação de conteúdo: seguro