Crunch: o som da glória ou da covardia de um homem?

Sempre havíamos convivido relativamente bem até que, um dia, um incidente mudou para sempre nossas vidas. Explico. Eu chegava em casa todas as noites, cansado, e mal prestava atenção no que se passava à minha volta. Com o passar do tempo, pude perceber que havia uma presença intrigante à porta do meu prédio. Dia após dia, a situação se tornava ainda mais estranha. Chegava a ser cômico. Cômico e um pouco incômodo, já que, indiretamente, havia mais alguém participando da minha rotina. “Ora, a rotina é minha, e eu decido quem deve participar dela” – pensei em um dos momentos de maior egoísmo.

Depois de algumas semanas, ao tentar maior aproximação, fui repreendido. Seus movimentos furtivos indicavam que ela sabia se defender. Suas esquivas eram invejáveis. Afinal, ela não devia ser tão inocente assim. Provavelmente já conhecia as malícias da rua, e aprendeu a evitar pessoas como eu. Não que eu seja melhor ou pior que os outros. Pois bem. Ignorei minha atitude, refletindo que aquilo tudo poderia não acabar bem. Dormi.

Após alguns dias de mais algumas investidas oculares por minha parte (a contragosto. Fui movido por pura curiosidade, juro), aconteceu algo estranho: ela não estava mais lá. Olhei nas redondezas, procurando algum movimento suspeito. Não encontrei nada. “Menos mal”, pensei. Fui seguindo com a rotina: elevador; sétimo andar; tirar a chave do bolso; abrir a porta; fechar a porta. Ao cumprir todos estes passos, percebi que algo estava diferente em meu apartamento. À primeira vista, tudo estava na mais perfeita ordem, mas minha intuição estava alarmada.

Já havia vasculhado o apartamento quase todo, quando entrei no meu quarto. Foi quando me dei conta que minha intuição ainda servia para alguma coisa (parênteses: não chega a ser um “sexto sentido” como o das mulheres, mas enfim. Não vem ao caso). Segue. Encontrei bem ali, parada, ao pé de minha cama, uma visitante surpresa. Da portaria, ela se deslocou justamente para o meu apartamento. Como, eu não sei. Nem o porquê. Definitivamente eu não fazia o tipo dela.

Fato é que meus instintos falaram mais alto, e novamente tentei me aproximar. Fui repreendido. De novo. A partir daí teve início uma intensa perseguição: ela correu, talvez por medo, e eu fui atrás, para não manchar minha honra. Um pensamento me ocorreu: “Sou homem! Estou na minha própria casa! Se ela não quisesse esse desfecho, que ficasse longe daqui! Ah, e outros já devem ter tido a mesma atitude que eu!”.

Sem o menor ruído, ela correu para a sala. Ficamos naquele jogo infantil, rodando em volta da mesa, por quase cinco minutos. Ao fugir para a cozinha, ela se esgueirou de uma investida mortal. Que não era tão mortal assim, como pude perceber depois. Ela era ligeiramente mais ágil do que eu, devido ao tamanho. Toda essa situação, somada ao meu cansaço físico e mental daquele dia de trabalho, era a reprodução do inferno. Depois de mais alguns minutos naquele joguinho insuportável, peguei o primeiro objeto que vi à minha frente: uma vassoura. Covarde, eu sei. Ela não me havia me deixado alternativas. Depois de várias investidas contra ela, aquela maldita ainda tentou fugir para fora do apartamento! Em vão.

Crunch – o primeiro som vindo dela, desde que nos conhecemos. Para isso foi necessário que eu lhe desse uma sapatada. Crunch: o som da glória ou da covardia de um homem? Não posso dizer. Só afirmo que, com ou sem glória, eliminei do planeta mais uma barata.