Dama de Negro

       Aproveitando a visita de seus familiares, vislumbrou a chance de realizar uma antiga "fantasia".

            Tinha horror àquela tortura que a sociedade havia imposto às mulheres: depilação! Porém, a ocasião merecia tal sacrifício – depilação completa. Não admitiria que encontrassem nela um só pelinho desalinhado ou esquecido. Fez também as unhas dos pés e das mãos, além de dar uma geral no cabelo.

            Como ninguém poderia descobrir seus planos, arrumou seu traje às escondidas.

Tinha certeza que chegara o momento. Havia se preparado ao longo de seis meses, adquirindo gradativamente as roupas necessárias: lingeire  de renda preta, adornada com delicadas pedras de strass, meia preta 7/8, finíssima, com cinta-liga também de renda.

            Banhou-se com sabonete de erva-doce, cremoso como nata de leite de cabra (Já que não era Cleópatra!). Secou-se com toalha macia, como se fosse nuvens do céu. Hidratou delicadamente a pele que outros(s) depois iria(m) tocar. Foi discreta no perfume, pois exagero se torna vulgar.

Pediu à costureira para cortar seu vestido preto, aquele de veludo italiano que havia comprado para a formatura da primeira turma onde trabalhava . A doce Amélia, que havia transformado o corte de tecido, num longo lindíssimo, achou um desperdício. Mas aquela era a sua profissão.

            Por ser um vestido sem mangas, precisava de algo para proteger-se do frio. Lembrou-se então da capa inglesa e de um lenço de seda pura, pretos, que há muito tempo estavam guardados. Contudo, não cheiravam a bolor. Seria imperdoável uma dama cheirando bolor!

            Os sapatos, de camurça preta, eram os mesmos da formatura do ano anterior.

            Tentou sair de casa sem levantar suspeita, o que era quase impossível: não tinha o hábito de fazer programa à noite. Costumava desfrutar aqueles poucos momentos na companhia de seu único filho; nem trajava-se inteiramente de preto, pois julgava excessivamente sensual ou mórbido. Tudo dependia, logicamente, da ocasião.

            Para que não desfiasse sua meia, nem borrasse sua maquiagem deu-se ao luxo de ir de táxi, com aquele motorista que costumava aceitar o pagamento das corridas no final do mês. Agradeceu ao amigo e brincou, pedindo para ele pôr a conta na Cônsul®. Desceu do carro cuidadosamente e se despediu. Ainda deu tempo dele perguntar-lhe se gostaria que viesse buscá-la mais tarde.

― Caso ninguém venha, ligo pro teu celular! Respondeu ela.

           Entrou na cafeteria habitual, a mesma que costumava levar seu filho para os lanches dominicais. Pediu um cappuccino com bastante creme. Misturou lentamente para que não perdesse uma só gota de creme, nem escapasse o aroma do café misturado com o do chocolate. Saboreou suavemente, gole após gole, como se fosse uma poção mágica. Precisava de coragem. Afinal, era a primeira vez que fazia aquilo...

            Pediu a conta, deu um sorriso de agradecimento à garçonete, pagou e dirigiu-se ao telefone público mais próximo. Trocou poucas palavras, sabe-se lá com quem.

Segurando o lenço de seda no bolso da capa, caminhou vagarosamente à famosa rua das “moças de família”. Encontrou um cantinho escuro. Retirou o lenço do bolso, envolveu seus cabelos e parte do rosto à semelhança das muçulmanas.

            Escolheu um lugar estratégico e ficou à espera do caminhão. Quando ele se aproximou, ela partiu em disparada: abriu os braços e foi ao encontro da morte!

Brisa
Enviado por Brisa em 27/04/2005
Reeditado em 30/11/2012
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