O Ano Em Que Esqueci

Desde que descobriram que manga com leite faz mal - há muito, muito tempo atrás – as promessas de final de ano são sempre iguais. Rabiscamos alguns desejos intangíveis, respiramos fundo e corremos desesperados em busca de algumas ondinhas que afoguem nossas mágoas.

Bom, sinto dizer, mas nem sempre a onda que molha é a mesma que lava a alma. E, já que nossas promessas têm mesmo memória curta, decidi que 2009 será o ano do esquecimento.

Primeiro, esquecerei de ir à escola. Aquele aprendizado sentado, anotado com o receio ingênuo de que seja confrontado por vaidade, não terá mais espaço em minha agenda. Aliás, esta também será esquecida em alguma gaveta emperrada, juntamente com os calendários que me lembram que o tempo está contado.

Em 2009, esquecerei de responder alguns e-mails. Deixarei que parte de minha vida digital fique armazenada em alguma pasta - criptografada, talvez – e trocarei o mouse sem graça por um cachorro com defeitos sedutores. Aliás, esquecerei de esconder meus próprios defeitos no próximo ano. Quem sabe minhas qualidades não limpem os estragos causados por eles?

Esquecerei de assistir o conteúdo que quero pra mim, vivendo-o em doses cavalares. Os milhares de MP3 do Ipod perderão espaço para aquele show honesto daquela esquina simpática da Vila Madalena. Ah! Esquecerei de carregar as baterias da câmera, deixando que os olhos fotografem os próximos sorrisos.

Esquecerei de ler aquele livro de auto-ajuda que lidera as vendas no mundo, aproveitando para buscar conselhos que não falham em frente ao espelho. Em 2009, esquecerei de carregar moedinhas em meu carro. Quem sabe assim, quando alguém implorar por alguns trocados, eu seja capaz de algo mais valioso do que devolver a miséria com um sorrisinho amarelo.

Esquecerei de perguntar “por que”, buscando as respostas por conta própria. Esquecerei de sorrir forçado, provando que ser autêntico não é falta de respeito. Também esquecerei de conversar com quem responde às perguntas com outra pergunta. Pegou?

No próximo ano, esquecerei do ditado “falou, tá falado” e darei mais uma chance para que novos argumentos me seduzam. Também não lembrarei de contar quantos “eu te amo“ saem de minha boca, deixando que meus gestos provem meu ponto de vista.

Esquecerei de ler as críticas das obras culturais em cartaz, correndo para descobrir o que move minha reflexão ao vivo. Esquecerei de idolatrar meu escritor favorito, questionando-o sempre que sentir qualquer “perdida de mão“ na última página.

Talvez assim, quando 2009 chegar ao fim e eu perceber que esqueci de anotar minhas realizações, consiga respirar aliviado.

Terei vivido cada lembrança sem esquecer de mim.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 25/12/2008
Reeditado em 26/12/2008
Código do texto: T1352509
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