Paixão à primeira vista

Foi nas brenhas do sertão de Santana do Acaraú, no dia 17 de julho de 1994, que foi despertado em mim um carinho imenso pelo futebol. Por isso, a final da Copa daquele ano foi um jogo inesquecível, apesar da falta de energia elétrica do lugar onde eu estava, da curta idade de 11 anos e do meu pouco contato com futebol, que não passava das folheadas que dava nos álbuns dos Campeonatos Brasileiros que meu irmão colecionava.

Foram, no entanto, esses entraves que me abriram os olhos para o entranhamento do futebol na nossa identidade. No meio dos matos, eu e dois primos, um de 12 e outro de cinco anos, encostávamos os ouvidos numa TV de cinco polegadas funcionada à bateria, cujas imagens não conseguiam ser vistas, para acompanhar as jogadas. Assistir à nossa primeira final de Copa com o Brasil, nessas condições, foi o preço pago pela necessidade infantil de passar as últimas semanas das férias no sertão.

Sem conseguir acompanhar os lances, até por não entender de futebol, tudo o que eu esperava era um gol. Mas o gol não vinha e parecia que não viria nunca. Passaram os 90 minutos, os 30 da prorrogação, o breu chegou e continuei no pé da TV sem imagens. Vieram os pênaltis. Eu e meus primos, depois de tanto suspense, combinamos de ir para uma casa que tinha TV com imagens, que ficava a três quilômetros da casa da nossa avó, se o Brasil ganhasse.

Finalmente, Roberto Baggio, o favorito da Itália, chutou forte para fora e nos garantiu o tetracampeonato. Eu e meus primos não nos agüentávamos de alegria. E era tanta vontade de assistir aos gols que mal deu tempo de agarrar uma lanterna e se enfiar no meio dos matos, em direção à casa das imagens. Os três quilômetros corridos pareceram mais longos do que o jogo inteiro. Até que, cansados, chegamos e, nos replays da Globo, vimos os pênaltis várias vezes e a comemoração até não querer mais.

Porém, o que mais me tomou a atenção foi o tanto de pessoas que apinhava a humilde casa, iluminada apenas com a luz da TV em preto e branco, também funcionada à bateria. Desde esse dia, dei conta de que o futebol tinha qualquer coisa de encantador. Afinal, no meio do nada, no meio das brenhas, aquele povo todo só poderia estar ali por encantamento. Inclusive eu.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 10/04/2006
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