... E O PIOR É QUE A GENTE SE CONFORMA!

Parafraseando Marina Colasanti.

Há algum tempo, li um texto que me fez parar e pensar na nossa incapacidade para lutar por aquilo considerado necessário, certo, justo ou ético. Um texto da escritora Marina Colasanti, onde a mesma afirmava: “Eu sei, mas não devia...”. Hoje, parafraseando respeitosamente a autora, venho prolongar essa discussão e aqui eu te digo minha professora: Como você está certa! ... E o pior é que a gente ainda se conforma!

A gente se conforma a pagar juros altos no cheque especial porque as nossas despesas superaram o orçamento doméstico; E para pagar o cheque especial, a gente trabalha horas a mais, ou se possível, faz um bico aqui, outro alí. E, no corre-corre para pagar as contas, esquece de viver;

Anda com os vidros do carro fechados e as portas travadas porque a violência urbana tornou-se insustentável e, porque é mais fácil travar as portas e janelas do que travar uma briga pela questão da Segurança Pública;

Assim, a gente se conforma com a lembrança da brisa do mar e daquele cheiro de manhã de verão, que assistimos da janela, enquanto ainda não nos roubaram a magia do olhar;

A gente se conforma em olhar a lista dos canditados e votar no “menos pior”, ou seja, “aquele que rouba mas faz”, sob a desculpa de que os “outros só roubam... não fazem nada”, anulando assim o nosso poder de cobrança de suas ações, delegando plenos poderes ao Sr...Dr.. Fulando de tal... porque a essa altura, a gente já se esqueceu o nome dele;

Se o ensino público vai mal, a gente paga colégio privado para garantir o acesso do filho à Universidade, se possível, a pública; Paga plano de saúde, mesmo correndo o risco de não ter corbetura completa, mas pelo menos... ter ao que recorrer em caso de emergência. E em caso de uma ampla reforma no sistema previdenciário e nas regulações trabalhistas, a gente já começa a pagar um plano de aposentadoria privada, para não sofrer humilhações na hora do recolhimento;

A gente se conforma em viver uma vida socialmente aceitável, enquanto sonha com a aquela paixão desenfreada da novela e se conforma em acreditar que amor verdadeiro é apenas coisa de novela, de contos de fadas e que a vida real é dura demais para se pensar em paixão. E acredita em achar que o melhor mesmo é deixar essa estória de paixão para os jovens. Afinal, eles ainda têm muito o que aprender, e ainda nem sofreram o bastante, ainda nem começaram a viver a vida. E aí a gente pensa: Deixa que a vida ensina!

E nessa de achar que a vida ensina, a gente crer que os ensinamentos da vida são voltados para o sofrimento, que é a partir dele que se aprende e se cresce. A gente se conforma com a dor causada por esse tal sofrer, repetindo diversas vezes... “Ah! Não tem problema não! Dói agora mas depois passa, você vai ver”. E assim, a dor vai se tornando companheira cotidiana, e a gente acredita que a vida é assim mesmo, que sem dor, não há crescimento!

Se o relacionamento vai mal, a gente vira a cara para o outro e diz que quer um tempo para pensar e refletir. E dá um tempo sem saber o que fazer daquele tempo... porque “dar um tempo” é mais fácil do que enfrentar a situação de frente e porque, mesmo vivendo lado a lado durante anos, olhar no olho e falar a verdade, ainda é um desafio. Falar daquilo que está machucando não é fácil... Afinal a gente foi treinado para se defender das armadilhas da vida e do amor, não para expor fragilidades;

A gente se conforma em chorar escondido porque alguém, algum dia falou que chorar em público é manifestação de fraqueza, de insegurança. E a gente engole o choro, sufoca o pranto e diz que aquela lágrima que teima em se mostrar é apenas um cisco que caiu no olho ou fala que toda vez que corta cebola é a mesma coisa... muitas lágrimas.

Se encontra um velho conhecido na rua, a gente se conforma com um aperto de mãos ou no máximo, um beijinho no rosto, enquanto queria, na verdade era um abraço para sufocar as tensões do dia... e ainda responde sorrindo que vai tudo muito bem, obrigada! E vai embora sem aquele abraço tão desejado.

E se quer cantar mas não sabe a melodia, se conforma em aumentar o volume do rádio para que ninguém tenha que ouvir aquela voz de trovão... E pensa... “Que Pena! Eu adoraria saber cantar assim...”. E de tanto reprimir e sufocar o desejo, a gente acaba esquecendo a letra e a melodia daquela música tão especial.

Os sonhos.... Ah! A gente esquece que sonhar é um ato inerente ao ser humano e se conforma em dizer que no tempo de criança, também sonhava...mas agora não tem mais tempo para essas coisas... E feliz daquele que antes de deitar escuta alguém dizer: “Tenha uma boa noite, durma bem e tenha bons sonhos”;

E na ânsia de sonhar, a gente se conforma em ir dormir agarrando aquele enorme urso de pelúcia, quando na verdade, só queria o colo da mãe. Queria deitar no seu colo e falar bobagens, ou mesmo não falar nada... só ficar em silêncio... até adormecer e sonhar. Sonhar que se recusa a engrossar esse coro conformista, que nega o desejo, a vontade, o sonho... E a gente sonha... E sonha... porque o sonho foi a única coisa que restou. Porque o sonho se recusou a se conformar.

Boston, April 29, 2005 – 07:46pm