Ah...

Não sei se foi o calor. Não sei. Bateu forte a saudade.

Envolveu violenta, exigente.

Saudade de um cheiro cheiroso. De cozinha; de tarde.

Bolo. Café. Leite.

Barulho de louça.

Cheiro de infância.

Ah, o bolo da tarde! Sequinho, fofinho, quentinho e tão cheiroso. Mal dava tempo de lutar pela maior fatia.

Tantas crianças.

Cheiro de terra, suor, xixi... e depois do lanche só sobrava o cheiro da manteiga na mão mal lavada.

Cheiro de infância.

A sensação é tão forte que escuto os barulhos do quintal. Quintal grande, árvores, pássaros, gatos molengas pelo telhado, latido dos cachorros e gritaria das crianças.

São tantas.

Ouço as vozes... Mais uma briga?

- “Estou de mal, me dá o dedinho. E de mal prá toda a vida.”

E aí, de repente, briga esquecida : - “Vamos ficar ‘de bem’?” “Me dá o dedão”.

Voltei lá muitos anos depois e o quintal não era tão grande assim. Das árvores, só uma resistiu às “melhorias na casa”.

Aninho-me no banco pronta para mergulhar mais fundo nos meus devaneios, mas um som de buzina, forte, urgente, me sacode, arranca-me dos meus nove anos e violentamente coloca-me na direção do carro.

Farol verde. Ruído de motor.

Engato a primeira e me arrasto atrás da fila imensa de carros. Os olhos ainda parados, o coração na boca. Lá vou eu.

Cheiro de escapamento.

Que saudade...