Baixa tensão

Em Boa Vista, Roraima, o bairro São Bento, que 78% dos moradores teimam chamar Brigadeiro, nasceu de uma invasão iniciada em 2005.

Insuflados por políticos, grupos de pessoas sem teto (alguns são especuladores e têm muitos tetos pela cidade) entraram na área, demarcaram seus terrenos e, hoje, pressionando o Poder Público, começam a ter seus lotes legalizados.

Dependendo do andar da política, os invasores, brevemente, passarão a receber um pouco de dignidade: luz, água, calçamento, saneamento, escola, posto médico...

É inacreditável a quantidade de ligações clandestinas a partir dos postes energizados das redondezas. As ligações são feitas com qualquer pedaço de metal que sirva de condutor elétrico. Olhando de baixo pra cima, aquele emaranhado de fios dá a impressão de tratar-se de uma teia construída por alguma aranha que andou fumando maconha estragada.

Uns poucos moradores do bairro se especializaram em fazer essas ligações e vivem em eterna disputa com a Boa Vista Energia: os fios são ligados à noite pelos eletricistas improvisados e desligados durante o dia por funcionários da empresa estatal.

Pedro-puraqué aprendeu o ofício na marra e, hoje, é um desses eletricistas que enfrentam a morte em troca de alguma merreca para dar conforto aos desenergizados.

Ele conta que já levou quatro “choques dos brabos”, mas a necessidade empurra-o para o perigo. Sempre que sobe numa escada para fazer a gambiarra, pensa nos sete homens e um cavalo (parece nome de filme de bang-bang americano, né?) que morreram eletrocutados ao longo dos últimos anos no São Bento.

Certo dia, Puraqué recebeu a visita de dona Almerinda que buscava suas habilidades para refazer a ligação desfeita pelos homens da companhia de luz.

Depois de convidada a entrar, a costureira destravou a tramela do portão, e, desviando-se dos baixos arames desencapados que conduziam eletricidade para o barraco de Pedro-puraqué, entrou na cozinha. Lá, encontrou o “técnico” perdido entre muitos eletrodomèsticos desmontados, futricando um antigo e cansado ventilador.

Procurando comodidade, dona Almerinda encostou-se na velha geladeira encarnada. Do refrigerador, uma forte descarga elétrica fez seu corpo tremer. Quase sem voz, ela reclamou:

- Seu Pedro, esta geladeira tá dando choque...

O eletricista encarou-a com um sorriso maroto e, depois de descansar as ferramentas sobre a mesa, falou:

- Num ligue pra isso não, dona Almerinda. Um choquezinho desses não é nada e até faz bem pro coração. Por falar nisso: a senhora é de 110 ou 220 volts?

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 13/02/2009
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