Eu Não Sou

Não sou redator. Pronto, confessei, que alívio. Ainda bem que percebi isso quando a coisa começou a ficar séria. E isso é fato comprovado, analisei e descobri que sou bem diferente deles. Enquanto mudam o estilo dos textos de acordo com o cliente, eu mudo de acordo com o humor. Cada refação que tiram da frente com a cabeça fria, sem estresse, em mim acerta o estômago. Aliás, se você já sentiu enjôos do tipo, também não é redator, puxe uma cadeira. Eles só escrevem se são pagos pra isso. Escrever um textinho sem compromisso em casa? Só com nota, cobram por lauda. Eu escrevo “de grátis”, pra aliviar, pra lembrar que escrevo, pra rasgar depois. Eles sonham com o dia em que deixarão de escrever, em que serão resgatados dessa vidinha temporária. Eu sonho com o dia em que me deixarão escrever pra sempre. Eles precisam de tempo para se dedicar aos prêmios. Eu quero de prêmio a chance de me dedicar ao tempo. Eles jogam para o revisor o trabalho sujo, “arruma aí, mané!”. Eu defendo que tudo que sai da mão é responsabilidade do "mané" que escreveu. Eles querem estar perto de gente influente, criativa, descolada. Eu prefiro que meus textos tenham o mesmo efeito sobre essa gente. Eles vendem. Eu escrevo. Eles gargalham. Eu surto. Eles comemoram. Eu estranho. Eles abraçam. Eu empurro. Eles disfarçam. Eu mostro. Eles engolem. Eu cuspo. Eles são. Eu não sou.

Felipe Valério
Enviado por Felipe Valério em 15/02/2009
Reeditado em 16/02/2009
Código do texto: T1440435
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