Tranqüilidade

Na “tranqüilidade” de uma manhã infernal, entro no ônibus lotado, e sou literalmente espremido como uma sardinha enlatada. Chego ao serviço, obviamente atrasado, devido à falta de ônibus, isso porque teve aumento nas passagens, vai entender! Aguento os ataques de nervos do patrão e engulo em seco as reclamações dos clientes. Olho para o salvador da pátria, o santo relógio, rezo para ele fazer o tempo voar, para relaxar e a hora fluir. Começo a rascunhar uma nova crônica. Finalmente! Chega a hora de ir embora e na mesma “tranqüilidade” encaro mais um ônibus lotado, acompanhado desta vez do maldito calor. Empurra-empurra, confusão do cotidiano de uma metrópole. Uma mulher grávida sobe, os homens, mal educados, devidamente acomodados em seus assentos, fingem que não a vêem. A mulher, firme e forte, aguenta calada os solavancos da viagem inteira em pé. Eu, apertado em meu canto, fico a observar e a lamentar pela educação do jovem brasileiro. De repente um terrível e fétido cheiro de vômito empesteia o ônibus. Uma criança, creio que devido ao calor, em um assento próximo ao meu passa mal, a pobre mãe, toda sem graça devido ao ônibus estar lotado, mal consegue limpar o seu filho e as pessoas em volta, assim como eu, na “tranqüilidade” de nossa linda viagem, aguentamos e enfrentamos corajosamente o mau cheiro como podemos.

Após 45 minutos, chego ao meu destino, tomo um banho, levo minha cadela para passear, assisto ao jogo. Minha esposa chega do serviço e pede para comprar pão, conto as moedas e vou à padaria. Após pegar o que preciso me dirijo ao caixa para pagar, quando um moleque franzino entra na padaria com todo o ar de sua grande sabedoria e me fita. Puxa da cintura uma arma que mal consegue segurar e a coloca bem na minha face, gritando que é um assalto. Nisso entra o seu comparsa e começa a nos levar para os fundos da padaria. A proprietária, com sua filha nos braços, chora pedindo para não a roubarem.

Alguns clientes pedem para ela se acalmar, pois nada podemos fazer. Eu, calado, vejo nos olhos vermelhos do jovem e franzino assaltante todo seu ódio e loucura que, sem pestanejar, grita:

- Você quer morrer, mulher? Só não te mato porque está com uma criança no colo!

Novamente escuto a tão pronunciada palavra do dia:

- “Tranqüilidade!” Só viemos fazer um ganho. Não quero matar ninguém, hoje não!

Foram cerca de 20 minutos de ameaças, finalmente levaram o que queriam e foram embora. A vida segue o seu rumo, a dona da padaria enxuga as lágrimas, seu marido chega, muito nervoso, não querem chamar a polícia, falam que de nada adianta e que irão resolver de outra maneira. Eu nada posso fazer, a não ser pagar minha conta e seguir para a minha casa pois minha esposa já deve estar aflita. Chegando em casa, conto o acontecido e lamentamos mas, paciência, coisas do dia a dia. Ela vai fazer o café, eu perco a fome e vou para a sala, ligo a tevê, onde o nosso presidente está fazendo mais um de seus belos discursos:

-Meus amigos e minhas amigas, fiquem “tranqüilos”. O Brasil fez muitas alianças, a crise aqui ainda não é alarmante, o número de empregos aumentou, a segurança...

Eu dou uma gargalhada e desligo a tevê, beijo minha esposa e vou para o meu pequeno escritório na “tranqüilidade” do meu lar, terminar minha crônica...

EDU
Enviado por EDU em 26/02/2009
Reeditado em 03/07/2009
Código do texto: T1458027