A OUTRA FACE DE EVA

A OUTRA FACE DE EVA - Maria Teoro Ângelo

A imprensa mostrou há alguns dias o rosto implantado da mulher que tinha sido atacada por um cão feroz. O resultado me pareceu muito bom e vai ficar melhor ainda. A dúvida era sobre a reação dela diante da nova face. Poderia ter uma crise de identidade e estava sendo acompanhada por psicólogos.

Para quem andava de máscara e sentia a mutilação mesmo sem se olhar no espelho – o que ainda agora é recomendado que não faça – certamente ela teve um grande lucro. Se ela conseguir compreender que, entre o antes e o depois, nela se operou um milagre, não haverá a tal crise.

As outras mulheres, sim, sofrem dessa crise e não aceitam a aparência que têm. Querem mudar seus rostos e seus corpos para melhor e ficarem jovens e bonitas. Difícil achar alguma que se sinta confortável e satisfeita com os pequenos defeitos que o tempo vai apresentando.

Dependendo do grau de insatisfação, a tal crise tão temida se torna uma compulsão pelas melhorias, que vão desde pequenas intervenções até plásticas radicais e assim recuperam o rosto jovem que ficou perdido em algum espelho.

Mudar de identidade é com a mulherada mesmo. Os cabelos crespos ficam lisos. Os lisos, enrolados. Os curtos, compridos. Os escuros, loiros. Os escassos, abundantes. São perucas, apliques, alongamentos, ou o que se convém chamar. As sobrancelhas são feitas à mão, no bico da caneta do tatuador. Cílios postiços, olhos com lentes coloridas, pálpebras retocadas, nariz arrebitado pelo bisturi ou pela bioplastia. Maçãs do rosto erguidas e volumosas, lábios carnudos, queixo reparado. Dentes trocados, implantados, clareados. Pescoço lisinho. Seios de mocinha e de tamanho a escolher, barriguinha de tanque, chapada, côncava. Umbigo refeito, furado, enfeitado com pedras, metais e jóias em forma de piercing. Cinturinha fina, bumbum arrebitado, siliconado, preenchido, diminuído, aumentado.

Depois de gastarem uma boa grana, de abdicarem de qualquer coisa pela transformação, como são felizes com a nova aparência, que tranqüilamente poderia mudar a data de nascimento na carteira de identidade. A foto, sempre antiga, não identifica mais a nova mulher que volta no tempo muito mais bonita. Crise seria não virar outra.

E haja espelhos, e haja olhos para avaliarem as transformações, e haja ouvidos para se deliciarem com os elogios. Tudo o que se quer ouvir é que ela está outra pessoa.

Por um lado, tudo muito diferente do drama da francesa que serviu de caça ao seu próprio cão. Por outro, tudo muito igual no âmbito das reações humanas diante do desejo de resgatar o que perderam ou o que nunca tiveram.

15/02/2006

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 11/05/2006
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