O FILHO DATERRA

Pedro nunca deixava de comparecer. Sempre trazia um envelope contendo muitos papéis amarelados que fazia questão de exibir. Entre eles constavam várias cópias de cartas dirigidas ao governador do estado, ao presidente da república, ao ministro e outras autoridades. Pedro se dizia filho da terra: era um paranaense órfão, um brasileiro órfão, um trabalhador órfão e exigia um pai. Havia sido criado em um orfanato e nada sabia sobre seus antepassados.

Estava já com 38 anos, alguns fios grisalhos se destacavam em sua vasta cabeleira negra. Precisava saber quem era ele. Uma das frases na carta dirigida ao governador afirmava que o Paraná não pode desprezar o filho que tem. Na ausência de retorno às inúmeras cartas enviadas às autoridades, apelou para a Defensoria Pública. Talvez um advogado ou um juiz, pudesse encontrar alguma resposta convincente para sua busca. Os advogados nada poderiam fazer, foi a resposta. E o encaminharam para a sala do psicólogo, que passou a agendar dia e hora para o comparecimento.

O envelope continha também algumas anotações que Pedro velou por um tempo, mas certa vez as apresentou. Eram seus poemas e frases, pensamentos e coisas do tipo, que ao psicólogo pareceram ainda mais bizarros que as cartas dirigidas às autoridades. Mas Pedro muito se orgulhava de seus escritos:

“Vou ter que pegar mulher, vou ter que pegar mulher, vou ter que pegar mulher porque as vaquinhas estão em greve.”

E o psicólogo, perplexo, olhava interrogativamente para Pedro que esboçava um sorriso maroto: “O Brasil deveria ter orgulho do filho que tem”.

“Você já desejou a morte de alguém? É simples. Basta ter uma foto da pessoa que você quer que morra e, munido da foto, entrar em um velório qualquer. Você deve se aproximar do caixão, olhar para a foto e dizer: vem pra caixa você também”.

Pedro agora estava sério, porque morte não é assunto para brincadeira.

Quando ia puxar mais um de seus papéis de dentro do envelope, o psicólogo, alterado, mandou que saísse da sala. Pedro saiu esbravejando: “SOU FILHO DA TERRA.O PARANÁ NÃO PODE DESPREZAR O FILHO QUE TEM. O BRASIL DEVERIA TER ORGULHO DE SEUS FILHOS”.

E Pedro não mais compareceu.

Rocio Novaes
Enviado por Rocio Novaes em 08/05/2005
Reeditado em 08/05/2005
Código do texto: T15574