"Doutor Gambá e doutor Presunção" =Crônica de meu cotidiano antigo=

Apesar de eu ser um cretino de um fumante, meu nariz é especialmente sensível para algumas coisas. Entre elas, com destaque, perfumes vagabundos e gente fedida. E pra completar costumo ser vítima dessas duas coisas nas mais diversas ocasiões. Em uma delas foi totalmente inesperado por ter acontecido em uma clínica médica nas proximidades da avenida Brasil, em São Paulo, região nobre da capital.

A sede do plano de saúde que nós pagávamos, eu e minha mulher, era o que se pode chamar de uma bela sede. Ampla, bonita, confortável sala de espera, belas moças atendendo com muita simpatia e cordialidade, manobrista à porta e lanchinho na entrada. Uma beleza.

Depois de uma curta espera, fui chamado e conduzido ao consultório do médico que me atenderia. Ou melhor, fomos conduzidos, já que só vou a médico acompanhado de minha mulher, dessa minha querida companheira que não acredita em nada que eu diga que o médico falou, achando sempre que estou escondendo alguma coisa.

Sentamo-nos à frente da mesa do médico e aguardamos por ele. Quando o homem entrou e fechou a porta senti o forte bodum que dele emanava. Sem pestanejar levantei-me e abri a porta. Ou melhor, escancarei-a.

O doutor encarou-me quando sentei e perguntou por que eu havia aberto a porta. Levei algum tempo para responder por que estava examinando-o. Examinando e constatando que a camisa dele era uma nojeira só, que as unhas do homem estavam pretas de sujeira, a barba sem fazer de alguns dias, os cabelos desgrenhados e que até manchas de sangue de pulga havia em sua roupa. Só então respondi:

- Porque o senhor está fedendo e eu não suporto mau cheiro. Só por isso.

Desacostumado à franqueza, como, aliás, a maioria das pessoas, ele ficou sem palavras por alguns segundos e quando as teve foi para querer ser agressivo:

- O senhor é muito...

- Olha lá o que vai dizer, doutor. Pense bem no que vai dizer. Se partir para a ofensa a reação virá de imediato. Não sou obrigado a aceitar que um médico sujo, relapso, com aspecto de bêbado vindo da farra, me atenda. Já estou de saída porque seu mau cheiro está me tonteando. Passe bem.

Desci as escadas furioso, com minha esposa atrás de mim tentando me acalmar, e vi que a recepção estava muito mais cheia de gente do que quando entrei. Fui diretamente à moça que havia me atendido quando cheguei e disse em boa altura, para que todos ouvissem:

- Moça, marque outra consulta pra mim. Mas marque com um médico limpo, com um cara que tome banho e não se vista com trapos. E muito menos que tenha um mau cheiro asqueroso.

Extremamente sem graça a moça quis defender o médico, mas fracamente, em voz bem baixa:

- Mas o doutor Fulano é tão competente...

- Meu estômago é que incompetente, moça. Se eu ficar perto daquele cara mais alguns minutos te garanto que vomitarei até as tripas. Marque outra consulta com outro médico.

Ela marcou com outro especialista para uma semana depois.

Uma semana depois voltamos à clínica e enquanto esperava minha vez de ser atendido o doutor “Sujismundo” passou por nós. Passou barbeado, de camisa limpa, calça branca impecável e cabelos penteados. Enfim, parecendo mesmo um médico.

A moça da recepção lembrou-se de mim e sorriu olhando em minha direção depois que ele passou. Levantei-me e aproximei-me dela.

- Sua bronca valeu, moço. Até que enfim ele tomou jeito...Ninguém tinha coragem de falar nada e ele ia abusando.

- Foi só a minha bronca ou o dono da clínica também deu uma sacudida nele?

- Ele é o dono da clínica. Metido a excêntrico...

- Metido a sujo, isso sim. A aparência dele era um desrespeito com a clientela. Sem contar o mau cheiro. Será que ele aprendeu a tomar banho?

- Isso eu não garanto, moço. Também eu nunca chego perto dele...

- Melhor evitar mesmo...

Voltei a sentar-me e minha mulher repetiu sua velha frase:

- Quero morrer sua amiga...

No Hospital da USP, perto do qual eu morava, fui uma vez atendido por um desses jovens médicos ainda residentes. Foi um caso de antipatia à primeira vista. Bati os olhos no carinha e tive nojo da expressão dele. O olhar era de arrogância, prepotência, desdém, pouco caso, antipatia, nobreza e auto-endeusamento. Enfim, daquele tipo de cara nojento que sabe olhar para a gente como quem olha para um vômito ou um monte de fezes.

O sujeitinho me atendeu com toda boa vontade. Boa vontade de me mandar embora ou à p.q.p. Fazia as perguntas de maneira ríspida, manipulava os instrumentos com grosseria e só faltou me empurrar para fora do consultório depois de pedir alguns exames a serem feitos ali mesmo.

O nome do cabra era Assunção.

Fiz os exames, tomei os medicamentos e voltei para completar a consulta.

Ao voltar encontrei alguns dos jovens médicos reunidos, mas não vi o que me atendera. Aquele a quem tive vontade de dar um chute no saco, pra dizer o mínimo.

Olhei para a cara de cada um deles de maneira a dar a entender que procurava pelo meu médico até que um deles me perguntou:

- O senhor está procurando alguém, senhor?

- Estou, meu amigo. Estou procurando o médico que me atendeu. Acho que é o doutor Presunção.

A gargalhada foi geral, alta e demorada.

- Essa foi ótima!!

- O senhor “matou” em cima!!

- O cara vai mudar de nome!! Presunção total!!

Depois daquelas gargalhadas minha saúde melhorou bastante. Uma vingança muitas vezes é um alívio.

Quem conheceu o doutor Assunção/Presunção no hospital da USP entenderá o que estou contando.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 26/04/2009
Código do texto: T1560293
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