SER QUEM SE É

Às vezes o que somos dificulta o nosso viver. Quando não conseguimos falar em público, procurar um novo e melhor emprego, pedir desculpas. Quando nem querendo sai da garganta a opinião embargada, a raiva engolida, a vontade de gritar. Tem vezes que o que somos atrapalha tanto a nossa vida que dá vontade sair chutando tudo, inclusive a gente. É muito difícil ser o que somos quando o que somos nos impede de ser o que gostaríamos.

Já pensei em processar a minha pessoa por maus-tratos. Nunca vi alguém tão cruel. Nas horas em que mais preciso coragem para tomar atitudes, ela paralisa, trava, me impede de continuar. É eu ter que falar umas verdades - as minhas verdades - para tudo embolar e nem o cérebro funcionar direito. Se surgir uma discussão, então... O que sai são lágrimas e elas não vão longe, pois as bebo de volta antes de alcançarem a vida lá fora. E ainda tem a parte sentimental da coisa. Família, amigos, namorado... Aí sim, é um pega pra capar. Nada acontece como deveria acontecer e acabo sendo para eles justamente o oposto do que queria ser. Ou parecer. É judiaria me deixar assim, tão à mercê do mundo! Eu queria, pelo menos de vez em quando, abandonar o que sou e me tornar o que imagino que seria certo ser, bem daquele jeito que aparece nos filmes: lutadora, decidida e forte, forte o suficiente para protagonizar qualquer saga. Não... Na verdade, sou daquelas que engasgam na hora do vamos ver e ficam lá, com as bochechas vermelhas, os olhos embargados, imaginando o que poderiam ter feito... O que poderiam ter sido...

Sei que tudo isso não passa de fantasia. Não sou frustrada nem passo as noites chorando pelos dias. É uma dor que dá de vez em quando. Uma dor forte, mas tem um lado bom: ela move. Quando eu menos imagino, mudei. Quando eu me dou conta, estou um pouco mais calma, mais segura, mais confiante. Em determinadas ocasiões, olha só que coisa, eu até sou mais eu. Nada como um dia após o outro. Nada como viver, pois a vida é assim. Ela circula, ela dá voltas, ela ensina, ela ironicamente repete situações para que possamos balançar a cabeça sorrindo e pensando: "desta vez, vai".

Ah, vai.

Mulher de Sardas
Enviado por Mulher de Sardas em 15/05/2006
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