DOUGLAS TUFANO / SOBRE NESTOR TANGERINI

PARA RIR E PENSAR

Douglas Tufano

A literatura brasileira é pródiga em escritores satíricos e humorísticos em verso e prosa. Podemos lembrar, por exemplo, os nomes de Gregório de Matos, Artur Azevedo, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Millôr Fernandes, Luís Fernando Veríssimo, entre outros. No Modernismo paulistano, destaca-se Juó Bananére, pseudônimo de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que inventou uma língua toda particular para compor suas sátiras sociais e suas paródias engraçadíssimas de poemas famosos da nossa literatura. Precisamos agora abrir espaço para mais um autor de talento – Nestor Tangerini.

Transitando à vontade por diferentes temas, Tangerini é um dos mais talentosos poetas da primeira metade do século passado e este livro, Humoradas..., é uma prova disso. Destaca-se na linha humorística e satírica com as paródias que faz dos clichês românticos, envolvendo inicialmente o leitor num clima lírico para surpreende-lo com um “fecho de ouro” que quebra esse clima e faz rir pela mudança de tom. É o que vemos em vários sonetos, principalmente em “Sonho e realidade”. “Essa mulher” e “Caminheiro do amor”, que nos lembram a veia de satírica de Álvares de Azevedo, um poeta romântico do século XIX que soube ver com lucidez as armadilhas dos clichês poéticos de sua época. Tangerini brinca com esses clichês, consciente de que, na verdade, eles não tinham desaparecido e ainda povoavam os textos de muitos fazedores de versos de seu tempo (e do nosso, podemos acrescentar...). outra vítima de sua ironia é o parnasiano Alberto de Oliveira, cuja linguagem preciosa e rebuscada é impiedosamente parodiada no soneto “Paralelepípedo” (o título é um verdadeiro achado).

E por falar em romantismo, particularmente criativo é o soneto “Voz do coração”, em que o pobre órgão se queixa de ser injustamente acusado das bobagens cometidas pelas pessoas em seu nome, terminando assim: “Digo-lhes, pois, deixando de ser tolo: / burradas quem as faz é “seu” miolo; / não culpem mais o pobre Coração”.

O mundo do trabalho é também objeto de vários textos, e sua visada certeira condensa, em poucos versos, uma crítica ferina das injustiças e desigualdades (“Aumento de subsídio” e “Coisa grave”, por exemplo). E por falar em trabalho, é antológico o soneto “Eustáquio”, com seus trocadilhos a respeito de um funcionário do correio absolutamente obcecado com seu dia-a-dia na agência. O trocadilho, aliás, é um de seus recursos mais eficazes na obtenção do riso. Basta ver, por exemplo, o que Tangerini faz com a palavra “megaton” no soneto “Bossa nova”...

Mas essas são apenas algumas breves observações a respeito do talento de Tangerini. Não queremos antecipar mais detalhes para não atrapalhar o prazer da descoberta que os leitores certamente terão ao folhearem este livro.

Dotado de grande habilidade no trabalho com as palavras, Tangerini revela-se um autor culto, conhecedor da tradição poética brasileira e dono de um agudo senso crítico. Seus versos concisos e certeiros não se esgotam na anedota, pois sempre encerram uma observação lúcida que levanta o véu da hipocrisia.

É uma agradável surpresa, portanto, reencontrar um poeta como Tangerini. Sua obra merece estar ao alcance do grande público, deve sair dos limites de sua família e dos amigos, que tão cuidadosamente preservaram seus textos. E que depois dos sonetos satíricos, venha à luz também sua produção lírica, para que possamos admirar toda a estatura do poeta Nestor Tangerini.

Douglas Tufano é Professor Literatura Brasileira e autor de livros didáticos e membro da Academia Jundiaiense de Letras.

Foto do Prof. Douglas Tufano no site: www.paulus.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 03/05/2009
Código do texto: T1574172