O último dos cavaleiros andantes

-sobre uma obra-prima de 400 anos-

*Terezinha Pereira

Teria você ouvido falar de algum livro rodeado de tantos valores? Vejamos. É considerado o primeiro romance moderno da história. A narrativa faz uma paródia aos livros de cavalaria, muito populares no século XVII. Foi escrito em duas partes: a primeira foi publicada em 1605 e a segunda em 1615. Seu autor tinha 58 anos quando publicou o trecho inicial. Esse livro fez tanto sucesso que um escritor anônimo publicou, sob o pseudônimo Alonso Fernández Avellaneda, uma continuação falsa do romance. Trata-se do livro mais traduzido no mundo depois da Bíblia e das obras completas de Lênin. Há, inclusive, versões em javanês e tibetano. Há setenta anos atrás, Monteiro Lobato afirmava em suas obras, que esse havia sido, até então, o melhor livro já publicado. Foi eleito o melhor livro da história em uma pesquisa realizada com 100 escritores de 54 países pelo Clube do Livro da Noruega. É tido, pelos entendidos de literatura e pelos leitores, como a mais significante obra da literatura universal, reveladora de sentimentos, paixões, fraquezas e grandezas do ser humano. Por esse motivo, já foi representado sob diversas formas no teatro, no cinema, na música, na escultura, na pintura e nas diversas expressões artísticas de todo o mundo. Em 1956, o pintor brasileiro Cândido Portinari produziu uma série de desenhos em lápis de cor inspirado em cenas desse romance.

Você já deve de ter pensado em “Dom Quixote de la Mancha”, do escritor espanhol Miguel de Cervantes. “El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha”. “Dom Quixote”. “O último cavaleiro andande”. “O cavaleiro da triste figura”. “Dom Quixote, de Cervantes”. “Dom Quixote das crianças”. Tantas são as adaptações, tantos são os títulos dados a Dom Quixote!........ Pudera. A leitura de Dom Quixote toca naquilo que mais embevece o ser humano: os sonhos. Sonho de justiça, sonho de liberdade, de busca por um ideal de vida, na maioria das vezes irrealizável. O romance trata do maravilhoso, do sobrenatural, do mágico, da aventura, da luta do bem contra o mal. Mas, de uma luta sem vencedores, sem lições moralistas, uma vez que nos leva a pensar que, nos idos 1600 como nos tempos de hoje, aquele que se julga detentor da verdade, aquele que se julga do lado do mais fraco, muitas vezes, pode trazer mais tristezas e dificuldades àqueles que tem intenção de ajudar. Segundo Ferreira Gullar, tido como o maior brasileiro vivo, em um artigo que escreveu sobre uma adaptação que ele fez desse romance, “Dom Quixote ficou famoso pelas loucuras que praticou, como lutar contra moinhos de vento julgando que fossem gigantes ou atacar rebanhos de carneiros por achar que se tratassem de um exército inimigo. São episódios divertidos, cheios de humor. No entanto, onde de fato se apreende o sentido profundo daquelas bravatas, as lições de vida e a sábia insensatez do cavaleiro andante, é nos diálogos”.

Portanto, caro leitor, se um dia, seu filho chegar em casa com uma adaptação de “Dom Quixote”, de umas cento e poucas ou duzentas e poucas páginas, dizendo que a escola pediu que fizesse a leitura desse livro, aproveite para, às escondidas, deliciar-se com as aventuras de Dom Quixote. Digo “às escondidas” pois, se o filho perceber que o pai ou a mãe está se interessando pelo livro, ele vai pensar que é leitura de gente grande ou mesmo que é coisa de gente careta. De uma coisa pode estar certo: seu filho foi convidado pela escola a conhecer uma obra de grande valor literário. E, por que não? A partir dessa leitura, ele pode acabar se envolvendo cada vez mais com a magia da literatura. Ou, caso ele ainda não tenha se tocado pelo prazer do ler, pode ser que ele acabe descobrindo que, dentro dos livros, existe algo interessante, atraente, curioso, estranho........ Ou seja, algo que possa lhe cativar o espírito. Agora, se você decidir conhecer a versão original da obra, não se preocupe. Não lhe será nem um pouco cansativo percorrer suas mais de setecentas páginas ou mais de mil, dependendo do formato do livro e do tamanho das letras usadas na edição. Se o filho ver o livro nas suas mãos, brinque com ele, dizendo que essa edição volumosa “é um livro proibido”. Na certa, será o filho que estará procurando folhear seu livro, às escondidas, é claro.

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 09/05/2005
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