LOIRINHA, NOVINHA E MAGRINHA

LOIRINHA, NOVINHA E MAGRINHA

Maria Teoro Ângelo

Ela avisou que viria e veio. Chegou numa tarde de sábado trazendo um pacote de exames e radiografias. Queria a opinião de meu marido, pois nenhum médico lhe havia dado um diagnóstico preciso.

Enquanto voltávamos da rodoviária, aonde tínhamos ido buscá-la, a mulher veio dizendo que se sentia fraca, com as funções do corpo alteradas e que há muitos dias só se alimentava de chá e chuchu.

Diante de tal revelação, gelei. É que o cardápio do jantar consistiria em assados gordurosos, molhos picantes e outras comidas pesadas. Haveria outros convidados naquela noite. Era o meu aniversário.

Durante a festa ela comeu de tudo e muito. Tomou vinho, conversou bastante e até cantou em falsete numa voz afinada arrancando aplausos. “Esta noite ela morre!”, pensei.

“Vamos matar a moça com tanta comida! Para quem estava vivendo de chá e chuchu...", ponderou meu marido.

Mas ela não morreu. Levantou-se bem disposta e após a análise dos exames foi constatado que ela realmente não tinha nada, não estava doente.

Engano. Havia nela qualquer coisa de desconforto, de aflição, uma indagação no olhar, algo que lhe feria a alma e ela nos contou.

O marido é que estava doente. Havia se transformado em outra pessoa. Não era mais aquele comandante de Boeing que estávamos acostumados a ver tão seguro e equilibrado. Apresentava um comportamento esquisito. Comprava dúzias de camisas, pintara o cabelo e se tornara agressivo.

Entre uma viagem e outra ele não voltava para casa e, quando vinha, quase não falava. Bastava dirigir-lhe a palavra e ele virava uma fera. Ela se encolhia toda, apertava o estômago com as mãos para acalmar a dor e, quando achava uma brecha, agradava-o com carinhos. Ele ficava mais irritado ainda e a repreendia dizendo que não era hora de conversar.

“ É problema no trabalho. Com tantas demissões ele deve estar desesperado”, dizia para si mesma.

Como ele se negava a ir ao médico, ela foi. Chamou o padre, o pastor, foi ao centro espírita, consultou cartomante. Ele estava ficando louco. Distúrbios bruscos de comportamento são sinais de desequilíbrio mental e ela achava que ambos corriam perigo.

Diante dos fatos achamos que tudo podia ser fase, algum estresse pela profissão, pela correria da vida e pela vunerabilidade a que todos estamos sujeitos. Prometemos visitá-la e tentar ajudá-los.

Saímos uns dias depois para a missão. Encontramos o homem bem disposto e feliz. Conversou com entusiasmo, levou meu marido para o aeroporto, alugou um avião e ambos foram voar.

Quando nós duas saímos pela cidade para passear e fazer compras, achei que ela é que devia estar louca. Em todo lugar onde entrávamos ela comentava o assunto do marido com o proprietário da loja.

Tive pena dela, daquela mulher desesperada e insegura tentando salvar a pessoa amada e buscando em cada um que encontrava algo que pudesse ajudá-la. As pessoas ouviam suas lamúrias com um certo enfado, como se já tivessem ouvido aquilo outras vezes.

Paramos para um lanche. Cidade pequena, todos se falando pelos nomes. Sentamos. Ela de costas para o balcão e eu olhando para a dona da lanchonete, que não se cansava de balançar a cabeça em sinal de reprovação, enquanto minha amiga desfiava o rosário de suas desventuras. Em certo momento, não aguentando mais a história, que devia ouvir todos os dias, e aproveitando a posição estratégica, a comerciante, com movimentos labiais vagarosos, me passou a seguinte mensagem silenciosa, mas bastante clara: “Ele tem outra. É loirinha, novinha e magrinha.”

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 19/05/2006
Reeditado em 11/12/2011
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