PARE, OLHE E ESCUTE

“Pare, olhe, escute”! Meu Deus, a placa ainda está ali, encurvada pelo tempo, desgastada pela chuva e pelo sol, mas ainda está ali e aguça a minha imaginação, trazendo-me à mente instantes mágicos, cheios de imagens. Um turbilhão de imagens assalta-me o pensamento e faz-me parar e olhar para um lado e para o outro, e para os trilhos... Para a distância da linha férrea... Meu olhar se perde lá na curva... Espero o trem que não vem. O trem ficou lá atrás, nos verdes anos da minha infância e adolescência.

Passo em frente à placa de ferro, sentindo o gosto do passado, aguçando a minha memória, escutando o som das máquinas chiando sobre os trilhos. Assim, retorno ao passado: vejo-me caminhando linha afora, com os livros nas mãos, na direção da Rua Prefeito Manoel Lordão, para mais um dia de estudos no Grupo Escolar Anthenor Navarro. E, com o coração aos pulos, escuto o apito do trem, bem antes da curva... Lá vem o trem com seus inúmeros vagões! Afasto-me dos trilhos e deixo-o passar... Instantes grandiosos, mágicos, inesquecíveis, que jamais se apagarão da minha mente.

Eternizaram-se em saudades.

Agora estou atravessando a linha. A linha que separa o Bairro do Nordeste do centro da cidade. E o vai e vem das pessoas é tranquilo, ninguém respeita a passagem do trem, pois trem não há mais, e a ferrugem e o mato tomam conta dos trilhos... Que pena! E o pior: todo mundo passa e repassa, e ninguém sofre a dor que este poeta sofre, ao voltar seu olhar para o abandono que Guarabira deu à sua linha férrea, um patrimônio importantíssimo do município. Ai de ti, Guarabira, se não fosse a passagens dos trens por suas terras!

Quantos escritores, políticos, religiosos e turistas contemplaram das janelas dos trens, as belezas naturais da cidade “Rainha do Brejo”? Certamente inúmeros, aos milhares!

Figuras ilustres, a exemplo de vários escritores paraibanos, registraram a passagem dos trens por Guarabira. José Lins do Rêgo foi um deles. Um dos seus registros nas páginas de “Meus Verdes Anos": "Da casa-grande via-se a chegada dos trens que cruzavam na estação. Havia os horários de Guarabira e do Recife. Via a carapuça das chaminés das máquinas, os carros de passageiros e ouvia os apitos de partida" (página 75). Ele também registrou: "Ouvia do quarto os apitos dos trens. Chegava o de Guarabira e se punha a máquina a chiar como um porco na fraca. Ouvia mesmo o barulho das manobras, o bater das agulhas, o arrastar dos carros." (página 78). Outro escritor paraibano, José Américo de Almeida, passou por Guarabira, e registrou o fato nas páginas da obra “Memórias antes que me esqueça”.

Daí, dá para se perceber a importância dos trens que chegavam e saiam de Guarabira. A estação ferroviária local era um importante ponto de encontro, que envolvia todas as áreas de interesses local e regional: culturais, religiosos, políticos... Local onde pessoas se encontravam, compartilhavam ideias e ações, afinal Guarabira nasceu em volta da antiga estação.

Como se encontram, atualmente, a estação principal e as secundárias? Como estão os trilhos? Como está a malha ferroviária que cruza Guarabira?

Ah, como seria bom se os políticos de Guarabira e da região dessem as mãos em prol da volta dos trens! Que não só voltassem os de passageiros, nem de transportes de cargas, mas que pudessem ressurgir como fortalecimento para o turismo, que pudesse proporcionar a todos: estudantes, crianças e adolescentes uma visão de leitura de um novo mundo, onde o verde das paisagens pudesse falar-lhes de paz, harmonia e respeito ao meio ambiente. Trens que servissem para estudantes conhecerem as belezas naturais da região do Brejo, do Agreste e de outras regiões, que diminuíssem a distância cultural e histórica entre as cidades, que proporcionassem aos mais idosos o prazer de relembrarem os bons tempos... O retorno dos trens seria o melhor remédio para a ansiedade e a valorização das amizades.

Acredito que para o retorno dos trens só depende de uma coisa... Uma coisa tão simples: projeto. Um projeto na mão e a união dos gestores da região, dos políticos locais e dos representantes da região em Brasília, na Câmara e Senado Federal, além da ação popular. Assim, os trens voltariam a percorrer os trilhos adormecidos. Se de João Pessoa a Cabedelo os trens percorrem os trilhos, por que em Guarabira e sua região não podem? Mas como diz o cantor e compositor Zeca Baleiro: “É mais fácil cultuar os mortos que os vivos”. Portanto, a ferrugem aumenta, cotidianamente, sobre trilhos e o mato encobre o presente e o passado. Até quando? Pelo menos, em mim, permanecem os sons e as imagens dos trens para recordar, bem diferente de quem só conhece o significado do trem no dicionário.

Não preciso escrever mais nada. Zeca Baleiro encerra, com chave de ouro, esta crônica, quando o mesmo afirma que:

"É mais fácil cultuar os mortos que os vivos

mais fácil viver de sombras que de sóis

é mais fácil mimeografar o passado

que imprimir o futuro

não quero ser triste

como o poeta que envelhece

lendo Maiakovski na loja de conveniência

não quero ser alegre

como o cão que sai a passear com o seu dono alegre

sob o sol de domingo

nem quero ser estanque

como quem constrói estradas e não anda

quero no escuro

como um cego tatear estrelas distraídas

amoras silvestres no passeio público

amores secretos debaixo dos guarda-chuvas

tempestades que não param

para-raios quem não tem

mesmo que não venha o trem não posso parar

veja o mundo passar como passa

uma escola de samba que atravessa

pergunto onde estão teus tamborins

pergunto onde estão teus tamborins

sentado na porta de minha casa

a mesma e única casa".

Letra da canção: "Minha casa", do cantor e compositor, Zeca Baleiro.

Crônica escrita por André Filho Guarabira, em 22 de maio de 2009.