MARIA GORDA

MARIA GORDA

FlavioMPinto

Era uma tarde bonita, ensolarada com um ventinho frio e cortante prenunciando a chegada do inverno na fronteira. Os cinamomos demarcavam a estação deixando cair suas folhas pelo chão, desfolhando-se e parecendo esqueletos de galhos.

Doritheutis Nei já estava cansado da campanha política e resolveu dar uma esticada por seus antigos locais de boemia.

Passou um pouco de Amor Gaúcho no pescoço, lustrou o sapato preto e branco, colocou uma blusa de casemira castelhana e foi passear e terminar à tarde na Maria Gorda.

Não esqueceu de tomar dois copos de suco de maracujá, que sua irmã Dorotina Cetácea havia preparado e partiu para o “combate”.

Gostava de sair á tarde e encontrar as “tias” sestiando. Proseava e comia muitas bergamotas ao sol na sua companhia olhando o movimento da rua. Lagarteava. Ás vezes fazia até churrasco para elas no pátio protegido pela parreira e cheirando a flor de laranjeira. Era bem querido e retornava sempre que podia.

Maria Gorda era uma casa de tolerância localizada bem próxima do Prado e que tinha como clientes a turma de campanha que vinha dos lados do Quaraí, pessoal do Prado e quem não podia pagar o preço do Chalé. Não sei se ainda existe.

Doritheutis, flor de faceiro, iniciou seu périplo. Desceu a rua dos Andradas, pracinha General Osório, Getúlio Vargas e tomou rumo da Pecuária. Ia de carro de praça mas decidiu ir a pé mesmo. Era longe, mas ia devagarito no más...

Planejara sair de lá a noitinha, pois tinha de dar uma passada para um café no Tupinambá, também no Pedrinho, depois La Cueva o esperava.

A benção ao seu eleitorado tinha de ser dada. Só o que não gostava era ter de passar na Sarandi e testemunhar o desfile dos “bundinhas” no circuito Palacinho-City e também das voltas de carro com todo mundo “olhando prá direita”. Não gostava disso e sim da boemia. Dos personagens típicos da fronteira. Do Tierra, do Pão de Luxo. Dos tragos. Da prenhada do Pingüim. Do bife acebolado do Pedrinho, acompanhado de uma Vacca Gazapina, sem antes limpar a serpentina com uma boa tônica de quinino. Também a sopa no final de noite fazia parte do esquema. Tudo pago pelos amigos, seus correligionários, seu eleitorado, bem se diga. Ele andava sempre “pelado”.

Doña Maria, como gostava de ser chamada, andava preocupada: Respoleta, vinda lá da Serra, só trabalhava com o Espírito Santo na janela. Este , dizia, estava nas pombas que ali se aconchegavam. Não adiantava dizer que elas traziam doenças, mas...Sem elas nada.

- Vi num filme que o Espírito Santo anda nas pombas. E daí que na Espanha é assim e sigo. E uma pombinha com arroz é côsa muito boa.

Era prejuízo na certa quando as aves não estavam na soleira da ensolarada janela de frente para o pórtico de entrada do Prado.

E Doritheutis não queria saber disso nem de problemas. Estava calmo que nem água de poço. Só queria festa. Longe de confusões.

Até chegarem os tenentes.

A “casa” estava preparada para o expediente: chão lustrado, luz negra em todas as peças, música do Altemar Dutra a todo vapor e casais dançando de rosto colado. As “gurias” com a melhor roupa, cabelo cheio de laquê e bem penteadas só tomando Gin Fizz na sala enfumaçada por fumo de rolo.

Quase 8 da noite, chega um Chevette amarelo cheio de homens. Eram 5, e pediram bebidas. Logo se embebedam e iniciam as provocações para cima de todos sem distinção. Soube-se depois que eram tenentes do Exército e que seguidamente faziam arruaças nas casas de mulheres.

Um deles, com cara de japonês, inticou com Respoleta. Ela fez-se de difícil e pronto. Não era o dia dela e imediatamente formou-se uma confusão. Doritheutis, intitula-se defensor das meninas, sai em defesa de sua amiga Leleta.

Quando se deram conta estavam todos agarrados, copos e garrafas quebradas, mesas e cadeiras reviradas e quatro brigadianos, ninguém sabe de onde saíram, tentando afastá-los a golpes de chimango. Os outros clientes a esta altura já estavam correndo porta afora. A casinha de madeira parecia tremer.

O japonês, bom de briga e pivô da confusão, distribuíndo golpes marciais a todo lado até nos amigos que apareciam na sua frente , consegue acabar com a festa do Doritheutis e sumir do mapa. A patrulha foi atrás dele e mal saíram o viram retornar e formar outra confusão: o índio pulou no pescoço do Doritheutis e literalmente enfiou uma pistola do Exército engatilhada na sua goela! Este, caído no chão e de mãos para o alto, com os olhos arregalados nem se mexia nem piava.

O mulherio todo gritando e Doña Maria apavorada com aquela situação.

Enquanto todos cercavam o amigo, este babava sentado no peito do Doritheutis cada vez mais branco. Olho no olho, arregalados, assim estavam os dois no chão. Um com medo, o outro uma incógnita. Mas o oficial não mexia na pistola nem tirava o dedo do gatilho. Segurava com força a arma. Era motivo de preocupação, pois estava em boa posição encima do outro.

Uma patrulha do Exército chega e leva todos para o quartel.

Não refeito do susto, Doritheutis, não falava. Com os olhos ainda arregalados tomou quase uma garrafa de uísque. Um copo atrás de outro. Logo embebedou-se e caiu no chão. Não se agüentava em pé. Entrou em coma alcoólica.

Foi levado por Respoleta para o quarto de arrasto.

Lá permaneceu até o dia seguinte em estado de choque. Tinha reações e gritos durante a noite. Suava muito. Pensaram até em chamar o Dr Narinho, lá na SAMDU.

Recuperado, Doritheutis só queria saber de sair o mais rápido possível dali. Não ficava bem para um candidato convalescer naquele lugar.

- Fica mais uns dias, Dori, aqui estás em casa, dizia Leleta.

- Não vai dar, tenho que ir.

E se foi.

Dias depois encontra seu maior parceiro que pergunta sobre o embate.

- Mas que embate, Metiocol?

- Aquele lá na Doña Maria, ora, tu acha que não sei, hein? pelo menos me explica porque deste a ordem para não deixarem japonês freqüentar a casa. E outra, como não me convidaste, tô de mal contigo.

- Olha, D. Metiocol Bustamante, como futuro edil, tenho de me preocupar com a cidade. E vai cuidar da tua vida! Me deixa! Tchau.