Foi mesmo? (EC)

Foi rápido, mas perceptível, o esbarrão na fila de entrada do show de Roberto Carlos no Machadinho, ginásio com os dias contados, pois embora eu ainda não tenha assimilado a informação, irá ao chão para que seja erguida a Arena das Dunas, palco dos jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal.

Dei dois passos à frente, percebi a bolsa aberta e notei a falta do celular. Bem próximo a mim estavam uns dez policiais enfileirados e bem arrumadinhos. Dirigi-me a um deles meio atônita, mas com alguma esperança:

_ Moço, roubaram meu celular!

Com a expressão mais inocente desse mundo ele me respondeu com outra pergunta:

_ Foi mesmo?

Nada mais foi dito, nem feito. Impotente voltei para meu lugar na fila e entrei no ginásio com meu abandono. Haviam levado meus contatos, algumas imagens e um pouco do meu sossego.

A sensação de vazio acompanhou-me ate o início do espetáculo quando me vi assumidamente envolvida pelo artista que honra seu talento, respeita a si mesmo e ao seu público.

Eu estava de volta depois de muitos anos junto com minha filha que também adorou, mas não me saiu da cabeça a reação do policial diante da minha aflição.

Ele estava ali para nos proteger, não o fez e ainda reagiu à minha abordagem como se eu tivesse apenas puxado uma conversa à toa.

Passei adiante, afinal, posso recuperar meus contatos e as lembranças continuarão guardadas, agora, no lugar certo.

Não estou entre os que acham que o mundo já foi melhor. Ao contrário, acredito sinceramente, que avançamos muito, mas nesse progresso perdemos o cuidado com as necessidades viizinhas. Desconsideramos e somos desconsiderados todos os dias. As preocupações ou dores dos outros passaram a ser tratadas como notícias às quais damos de ombros.

Meu exemplo é ínfimo diante do que ocorre diariamente, mas me trouxe a percepção de que estamos passando as páginas rapido demais sem nos darmos conta do que nos rodeia.

Ficarei atenta para me certificar de que realmente não tenho nada a ver com isso ou aquilo. Não quero repetir simplesmente "foi mesmo?" para o mundo.

Este texto faz parte do Exercício Criativo O Que eu Tenho a Ver com Isso?

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