Divã

Divã

Acordei no meio da noite questionada pela insônia. Curiosa ela insistia em me fazer perguntas todas que exigiam em suas respostas mexer em dores e amores.

Eu a afastava com um cochilo e ela insistente a me submeter a um interrogatório interminável.

Resolvi praticar o exorcismo que ha anos a afasta. Levantei, fiz xixi, bebi um chá de erva doce, bem quentinho, cujo cheiro e o sabor espanta os piores pensamentos, penteie o cabelo, – me dêem licença, que todos somos malucos -, me aqueci nos cobertores e peguei um livro na cabeceira da cama e nele me concentrei.

Algum tempo depois o sono me acolheu e despertei com a tranqüilidade de quem já não tem que cumprir horários.

Junto com o despertar, aos poucos, a lembrança do sonho.

Eu havia estacionado o carro no pátio de um Colégio e assim o fiz porque recebi a dica de um conhecido, já falecido, e logo a seguir comecei a conversar com uma pessoa que eu não sei quem é e cuja fisionomia me é muito familiar e juntas iniciamos a descida de uma longa escadaria.

Cada degrau de um tamanho, alguns tão estreitos que o pé só cabia de lado, faltava na largura o que sobrava na altura!

Descemos conversando e no meio do caminho me indago como subir para pegar o carro e sem qualquer resposta, na mágica do sonho, me vejo dentro de um banheiro, grande, limpo, todo azulejado em branco e lá dentro um amigo querido que também já morreu.

Converso com ele trivialidades com uma naturalidade impossível de se obter conversando com mortos em um banheiro desconhecido e me dirijo para o box da privada. Uso o vaso e ao fechar a tampa verifico que o lenço de seda que eu tinha ao pescoço escorrega para dentro dele e molha a ponta. Ao puxa-lo verifico que não é um lenço e sim minhas calças. O fato não é sequer constrangedor embora crie um dilema: como passar o dia com as calças molhadas?

Acordo com a sensação de insegurança que o sonho inspira. Me lembro dos mortos do sonho com carinho, mas sem qualquer emoção forte, são só imagens surreais de um filme/sonho.

De repente aflora meu maior medo, a resposta da insistente pergunta da insônia: agente morre quando não podemos sozinhos nem comer nem limpar a bunda!

Maricá, 2006

Gilda Delgado
Enviado por Gilda Delgado em 29/05/2006
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