A PELEIA NO QUECO DO FAROLITO

A PELEIA NO QUECO DO FAROLITO

Por Flavio M.Pinto

- Hoje é dia de ir no Farolito.

- Mas é sexta-feira e treze, Taylor.

- Que nada, é meu dia de suerte, responde Taylor Nathan. E temos de nos preparar para domingo. Não esquece.

- Ah, é.

E assim foram. Taylor Nathan, Delicardêncio e Lizelóide bem prosas.

O Farolito estava em festa: receberiam uma delegação de Paso de Los Toros e Madame Fuentes via “plata” na certa. Até a luz vermelha seria ligada mais cedo. Era um bom chamarisco.

Aleksweller estava custando a subir a escadaria do cerro do marco. Até a bolsa pesava. Já fazia tempos que passara no Cine América e suas pernas pareciam chumbo. O seu coração parecia querer sair pela boca.

- A la putcha, carajo, a la mierda, tá difícil chegar no marco.

O Farolito situava-se bem defronte ao marco, fácil de chegar a despeito da escadaria. Para quem vinha de carro, a chegada era por trás do cerro por uma rua bem esburacada, toda de balastro e bem transitável.

A mulher já se via encarando a madame em dia de pagamento da fábrica, exigindo e ainda mais com esse bando de castelhanos de Paso sabe lá de onde, dizia.

Não estava bem, e ainda tinha de administrar a briga com o namorado Taylor. Tudo como sempre: por ciúmes, com certeza. Pentear a comprida e lisa cabeleira loira, arrumar-se, passar a roupa nova que estava na sacola e outras coisas de mulher. Ia ter pancadaria.

Taylor Nathan e Delicardêncio eram pedreiros e os dois mais valorosos atacantes do Bella Unión de Rivera. Jogariam pelos Piratas domingo contra o Centauro e, para cumprir uma tradição por eles inventada, passavam na casa antes das refregas. Lizelóide era um padeiro centroavante, dizia que estava sempre descansando. Pegava as sobras, mas sempre fazia gols. Cantava de galo dizendo que só chutava de fora da área para não ter que correr.

- Vamos treinar, diziam. Farolito nos espere.

O trio, que não gostava de exercícios, fugia de qualquer atividade física no Estádio Atílio Paiva e, como era praxe, chegavam no Farolito reclamando.

- Oiga, madame Fuentes, a mi me gusta la casa, pero la escalera…, resmungando suspirava o cansado Taylor, mesmo sendo elétrico e sempre bem disposto.

Lizelóide, preguiçoso, dava uma parada no Casino para recuperar as forças e tragar um palheiro fedorento comprado no Almacén do Viejo Diegues.

O fim de tarde parecia reservar confusão encima do cerro do marco. Ainda mais sexta-feira -13 de agosto.

E os fregueses começam a se alvoroçar.

Hystephany, a estrela da casa, pressente algo e informa a madame Fuentes, mas passaram-se meia hora, 1 hora e tudo estava normal.

- Era só pressentimento, nada vai acontecer.

A dupla do Bella Unión jogava sinuca e Lizelóide fora dormir no quarto dos fundos.

Chegam os castelhanos de Paso de Los Toros. Haviam sido maltratados noutro dia na Estrellita e decidiram não voltar mais lá. Além de ser bem careira para seus padrões. Perfumados e cheirando a Aqua Velva, sentaram em duas mesas bem ao lado da copa. Um queria Norteña, outro uma Pilsen, os outros exigiram uísque importado e se assanhavam para dançar cumbia com as meninas. El Patito e La banda esta borracha eram as mais solicitadas. Era tamanha a euforia dos dançarinos.

Madame Fuentes estava radiante. Colocara uma saia rodada rosa choque, enfeitada que nem uma cigana cheia de badulaques já se roçava num cliente bonito e alegre.

Com o baile animado, lá pelas tantas, Aleksweller entra no salão. De roupa nova, meia calça branca com enfeites dourados, vestido curto e justíssimo, radiante, mostrando todos os seus dotes, nem parecendo aquela jovem cansada ao subir a escadaria do cerro e nem aquela triste por ter de enfrentar o namorado.

Antes que qualquer um avançasse sobre ela, Sosa, um pretinho da turma de Paso de Los Toros, deixou de lado sua mandarina Urreta e pulou na frente dela fazendo uma ginga e lascou:

- Bamos hacer un Peñarol, chica?

- No quiero, morocho, respondeu a loira.

Martinez ouvindo a negativa tomou-a bruscamente pelos braços e deu uma volta no salão peneirando a rapariga com tudo que tinha direito numa salsa que agitava a sala e mandou-a dançar com o Sosa.

Neste instante, outro castelhano deu de mão na rapariga saíram dançando.

E ficaram puxando a “moça” de um lado a outro.

- Ela vai dançar comigo!

- Não, comigo.

Eram Sosa e Pelegrino brigando pela honra de bailar com Aleksweller, a ponto de quase deixá-la sem roupa.

Ao buscar uma cerveja na copa, e vendo a cena, Delicardêncio foi chamar Taylor nos fundos do corredor enquanto aguardava a namorada que se enfeitava.

Ao chegar na sala Taylor já foi para cima dos dois com o taco de sinuca em punho parecendo um espadachim e pronto para “deitar no lombo” de cada um monte de golpes.

- Eu te esperando e tu te refestelando com outro. Sai da frente que até tu vai apanhar, Alek!

Rápido, Martinez, o castelhano de quase dois metros de altura e outro tanto de largura, tentou apanhar Taylor na passada, mas este, liso como muçum ensaboado, escapou do manotazo e começou a dar bordoadas para todo lado. E foi quebrando tudo o que o taco alcançasse. Só não acertava os seus adversários. Espelho, mesa de vidro, garrafas e copos não escaparam. Só parou quando foi seguro pelo Atagualpo e Lizelóide.

- Deixa comigo que este já conheço. E não te fresqueia que já te expulso do jogo de domingo hoje mesmo.

Atagualpo era um conhecido juiz da várzea fronteiriça e apitaria o jogo dos Piratas e o Centauro no domingo. “Ajeitava” tudo que é partida. Tinha parado no Farolito após uma noitada inesquecível no Casino: ganhara um bom dinheiro e queria comemorar. O dinheiro todo perderia sábado no Prado, mas é outra estória.

E antes que a festa recomeçasse, sacou da cintura uma adaga de quase meio metro feita com cabo de osso e com a mola de sua velha Kombi e a colocou encima da mesa.

- Agora quero ver esse baile andando direito. E ai de quem se bobear e se negar a dançar de novo. Vai levar uns planchazos da Mariana! disse batendo no cabo da adaga com a mão.

O conjunto retomou as cumbias e o chão de madeira começou a estremecer de novo.

Dois guris que se achavam escondidos atrás do armário fugindo da briga saíram em disparada na direção do marco.

Contam que um deles saiu com a calça toda marrom e estão correndo até hoje.

Ah, ia esquecendo, o jogo dos Piratas foi 3 a 0, com três gols do Lizelóide. Nenhum jogador foi expulso e poucas faltas houveram na partida.

- Valeu o treino sexta, não é? falou Delicardêncio olhando para os dois amigos após o banho no vestiário.