Em prol da Educação: Flagrantes da vida real


     Esperar ônibus nesta turbulenta cidade é, hoje, um grande exercício de paciência e, nisto perdemos boa parte do nosso tempo. Mais uma vez,  encontrava-me neste exercício, num dia chuvoso, numa parada lotada, quando resolvi comprar uma pipoca para enfrentar o percurso até minha casa. Não que eu seja fã de pipoca, compraria muito mais por ter com que ocupar-me no longo trajeto que enfrentaria. Apesar do tempo de espera, ainda guardava a vã esperança de sentar-me calmamente e curtir o meu passatempo predileto: observar da janela empoeirada o movimento da cidade e das pessoas apressadas, a urgência previsível nesta quase hora do rush. Nestas ocasiões, com o rosto colado ao vidro da janela do ônibus, minha rebelde imaginação liberta-se e,  sem freios resolve tecer infinitas conjecturas. Apesar do burburinho, a danada já dava sinais de vida e irrequieta começava a olhar as pessoas, sentido aguçado e fantasia solta, confortavelmente estimulada pelas características do local e da diversidade de pessoas que por ali transitavam. Na minha frente passavam cores nos seus mais variados tons, modelitos engraçados  saídos de alguma revista de moda, próprios para outra cidade que não tivesse esse clima tropical de verão, apesar da chuva fina que desde cedo teimava em dar o ar da sua graça. As sombrinhas coloridas, em profusão, pareciam ganhar vida nas calçadas e também despertavam minha memória afetiva lembrando um quadro que vi pintado numa revista. Encontrava-me, pois,  no epicentro dessas cores e dos diversos cheiros que visitavam minhas narinas sem nenhuma cerimônia: amendoim torrado, castanha assada e cheiro de terra molhada. Forte, o odor de sudorese misturava-se a perfumes gastos, acentuados pela umidade da chuva que indolente não parava de cair. Ao contrário da garoa insistente, eu tinha pressa, e como muitos que lá estavam, encontrava-me à mercê dos horários irregulares a que somos submetidos diariamente. Fazer o que, além de ouvir as também previsíveis reclamações e o barulho infernal dos ambulantes ferindo nossos ouvidos sem pedir licença? Com este ânimo encontrava-me numa manhã de quarta-feira, quase onze horas, quase me descabelando pela aula que teria que ministrar as treze (horas) e pelo bendito ônibus que não passava. Ah! Sim, a pipoca... Dirijo-me então a um desses ambulantes para realizar meu intento e deparo-me com uma cena bastante peculiar. Entre surpresa e feliz, vejo junto à banquinha de guloseimas, uma mãe dividir seu tempo em atender os clientes e ensinar as tarefas escolares à sua filha. Uma criança com seus oito anos, alheia ao movimento, concentrava-se na quase leitura e na resolução de problemas matemáticos como se estivesse numa sala de aula. Juntava letras como quem junta balas para a hora do lanche. Vizinho, um vendedor de cd's piratas tocava músicas do Padre Fábio no mais alto volume sem nenhum respeito por aquela sala de aula improvisada. Meu coração de educadora bateu forte, num misto de tristeza e alegria, lamentei as condições precárias sob as quais aquela criança estudava e senti-me gratificada por saber que ainda existem pais, independente das condições socioeconômicas, se preocupando com a educação dos filhos. O alto som atrapalhava o meu raciocínio e de qualquer ser que precisasse pensar, levando-me a mais uma reflexão: coitados dos ouvidos daqueles que precisam permanecer ali por mais tempo; pobre criança querendo estudar. Livro na mão e lápis grafite na outra, equilibrando-se em tosco banquinho, a dificuldade de escrever equilibrando o caderno no colo  mostrava o interesse da mesma em realizar sua atividade extraclasse. A mãe,  percebia-se notadamente sua pouca instrução, tentava dignamente ensinar a filha. Meu primeiro impulso foi fotografar, não quis, porém,  perturbar aquele mágico momento. Pasma, só conseguia olhar lembrando da minha sala de aula e da dificuldade que nós professores, temos em manter os alunos concentrados e interessados no ato de aprender. Aproximei-me e timidamente pedi a pipoca, sentindo-me intrusa na cena. A mãe rapidamente voltou à tarefa de ensinar a filha. Não resisti e mais uma vez interrompi, agora para dar-lhe os parabéns. 


Fátima Mota.