Tempo de amar

Depois de uma coexistência pacífica de muitos anos, o meu coração e a minha razão entraram em atrito. Parece que tudo começou por causa de um amor estranho que penetrou sorrateiramente no meu coração. Por causa deste amor, o coração passou a bater mais forte. E as suas batidas ecoaram por todos os sentidos, modificando as costumeiras e repetidas reações. Foi então que a razão resolveu entrar em campo para tentar virar o jogo. E surgiram os conflitos, com a razão condenando os rumos do coração e o coração reagindo forte para tentar justificar seu ritmo alucinado e colorido.

A razão precisou falar muito alto para fazer os ecos das suas ponderações penetrarem nos ventrículos entupidos de flores e de suspiros do meu coração apaixonado. Com muita paciência, ela tentou mostrar para o coração que ele não tinha mais idade para paixões violentas e descabidas. E que os amores impossíveis sempre deixavam, no seu final, a terra arrasada e um dilúvio de lágrimas e arrependimentos. Durante várias horas, a razão bateu na mesma tecla, tentando, com as suas palavras ponderadas, reduzir a quantidade de suspiros do meu irreconhecível coração. Foi então que o coração acalmou um pouco o seu ritmo e, deixando todos os sentidos perfilados e calados, passou a se defender.

- Fique sabendo, razão, que durante a vida inteira eu fui dominado pelas tuas diretrizes e nunca mudei o ritmo das minhas batidas para não desrespeitar os rumos traçados para todos os sentidos. Muitas vezes eu recebi, através do olhar, mensagens diretas para avançar rapidamente algum sinal, mas me contive e continuei respeitando as normas. Com isso, porém, eu deixei de viver muitas alegrias. E fui vendo o tempo passar sem grandes emoções e sem jamais sentir o sabor diferente de uma paixão. Agora, porém, tudo mudou.

- Eu estou apaixonado, sim. E não aceito as tuas insinuações sobre idade e outras mais. O amor não tem idade. E se este amor parece impossível para mim, nada e nem ninguém poderá mudar o meu ritmo de batimento. Eu não posso obrigar alguém a me amar. Mas esta pessoa também não pode impedir que eu a ame com todas as forças que tenho. O amor pode ser impossível. Mas me faz feliz. E me faz bater mais forte todos os dias. E faz com que o ritmo alucinado das minhas batidas levem esta felicidade que transborda de mim para todos os sentidos. E me faz sonhar, cada vez mais, com soluções possíveis para este amor impossível. Por tudo isso, razão, e ainda mais pela proximidade com o Dia dos Namorados, tu podes economizar os teus conselhos e as tuas lamúrias: eu não vou parar de amar e de cultivar esta esperança de que este amor, algum dia, deixe de ser impossível para mim...

Depois deste veemente discurso, o coração foi aplaudido de pé por todos os outros sentidos (se é que sentido tem pé!). E a razão, de cabeça baixa (se é que razão tem cabeça!) e rabinho no meio das pernas, resolveu sair do ar para dar uma reciclada nos seus conceitos. Desde então, o coração passou a ditar as ordens dentro de mim: eu sigo amando muito, tanto as pessoas certas quanto as pessoas erradas, pois acredito que o amor faz milagres. E é exatamente o milagre da felicidade que eu continuo buscando todos os dias, colecionando momentos felizes para, com paciência, colorir este sonho que o meu coração tanto acalenta.

Milton Souza
Enviado por Milton Souza em 06/06/2006
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