A GEOGRAFIA DA ALMA DESCONHECE FRONTEIRAS

Seria um sonho realizado percorrer o caminho de Santiago de Compostela. Executar passo a passo a peregrinação de fé, de encontro comigo mesma. Entrar no santuário ao final da trilha para me render à magnificência do simples, do silêncio, da emoção que nos traz o transparente e o impalpável.

Estou impossibilitada, por inúmeras razões, de seguir essa rota famosa, mas isso não impede que eu faça o meu próprio caminho que, se não tem o nome de Santiago de Compostela, nem por tal razão deixa de ser um caminho especial.

Sigo o ritual. Nada é postergado. Tudo é iniciação. É um passo e depois outro.

Carrego nas costas uma mochila leve porque me esvaziei do supérfluo; nos pés uso sapatos de cortiça para suavizar as pisadas; nas mãos seguro um bastão para me apoiar nos trechos mais difíceis; no peito ostento a concha, símbolo dos peregrinos; no coração coloco a suavidade da esperança que é, também, feita da crença no chegar.

Quando o cansaço começa a arrefecer meus passos, me sento à margem da estrada e fecho os olhos para respirar mais lento.

Se a noite chega fico contando estrelas, como se fossem vaga-lumes do tempo de criança. Apanho algumas para iluminar a ponta dos dedos. E da mochila pego o pão da recompensa e a água da coragem e deles me alimento.

O meu lar é a pousada onde me refaço para continuar a caminhada no dia seguinte.

Ao amanhecer recomeço a trilha que, apesar de exigir perícia no seu trajeto de obstáculos, é fruto da minha escolha e planejamento. Gosto de saber que peregrino por onde eu mesma escolhi e aprendo a todo instante que as dificuldades podem ser vencidas.

É, como já mencionei antes, o caminho de Santiago de Compostela a minha maneira com minhas opções e oportunidades.

Inúmeras foram às vezes em que viajei em pensamento até a peregrinação de Compostela. Fosse a beira do mar ou na estrada de terra, fosse por entre árvores e pedras, fosse na lida diária em meio ao turbilhão da vida das metrópoles.

A geografia da alma não conhece fronteiras. O espírito dispensa passaporte, vistos de entrada e de saída e, principalmente, dinheiro.

Os 800 quilômetros de estrada da peregrinação de Santiago são uma réplica do caminho nosso de cada jornada que por certo, é bem mais longo e íngreme.

O caminho de Santiago é, em essência, o caminho para dentro de nós mesmos que realizamos, chova ou faça sol, nessa fantástica chance que a vida nos dá de descobrirmos as nossas potencialidades no percurso de cada dia.

Estejamos onde quer que seja, nosso caminho é peregrinação.

E, no momento certo, chegaremos à capela que coroa todas as caminhadas.

Boa viagem!