No compasso da Copa*

"Driblar é dar aos pés astúcias de mãos"

(João Cabral de Melo Neto)

Eu nem queria falar, mas parece ser difícil não falar do que a gente gosta. Do que a gente gosta muito, é ainda mais. Por exemplo: futebol, eu gosto muito.

Uma vez o futebol me encantou pra sempre, foi na Copa de 1994, quando eu já era uma criança. Quando eu virei uma adolescente, até passei a defender toda aquela bobagem de que o futebol é um enganador político-social. Mas, graças à minha relação desacertada com o tempo e com as minhas idades, meus dias de rebeldia adolescente foram contados, deixando o meu encantamento inabalado.

Eu também gosto muito de pensar no meu caminhar no compasso da Copa, de quatro em quatro anos. Da última Copa, eu tenho péssimas lembranças. O dia da final se tornou para mim símbolo de tormento. Nos muitos dias seguintes à final, eu muito queria desligar o mundo para não ter que ouvir as pessoas falando do pentacampeonato.

Há quatro anos eu sofria de amor, e muito. Naqueles dias eu nem era eu. Eu não sabia do que eu gostava; o que eu queria. Futebol não me interessava; tomar cerveja com os amigos para comemorar o pentacampeonato, nem me falassem disso. Qualquer expressão de alegria era feito ofensa. Era uma dor que eu sentia. Pior: era a ausente de mim mesma. Eu tinha acabado um namoro, namoro este que me tirou de mim.

Hoje, o que eu mais gosto em mim vem de depois da Copa de 2002. Foram então quatro anos de preparação para a Copa de 2006. Nem é que eu esteja para atingir a glória na minha vida pessoal, nem mesmo na profissional, é apenas que eu me tenho de volta, e cada vez mais. E isso é a melhor coisa.

Nessa Copa, eu vou recompensar o que eu deixei de lado na passada. Eu vou acompanhar os jogos do meu gosto. Dar os gritos da altura da minha voz. Falar mal de todos os juízes. E vou comemorar a vitória do Brasil, de preferência; de um país sul-americano, de segunda preferência; da Itália, Espanha ou Portugal, de terceira preferência; tomando ou não cerveja, em casa ou na rua, mas sem nenhum tipo de desdém diante da alegria alheia. Aliás, a mais alegre vou ser eu. Só de lembrar da transformação que esses quatros anos me fizeram, dá vontade de ficar pulando em cima da cama e gritando enlouquecidamente de tanta alegria.

Texto publicado em: www.patio.com.br/cronica

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 10/06/2006
Código do texto: T172891