Relatório de um agente de Gliese 581 c

Aproximadamente 120 humanos participavam do ritual em um grande edifício. Um macho conduzia a cerimônia, auxiliado por alguns outros. Fêmeas só tinham funções subalternas, como guardar utensílios, ler trechos do livro sagrado, ou carregar e cuidar dos filhotes.

O ritual começou com musicalizações da voz humana acompanhadas por um primitivo instrumento musical de cordas, tocado com as mãos por um macho muito gordo e de voz potente. O macho chefe, chamado Padrevilson, começou a recitar algumas fórmulas decoradas, ao que todos respondiam em coro com pequenas palavras, ora em pé, ora sentados, ou equilibrando-se em suas articulações do meio da perna.

Em determinado momento, Padrevilson começou um longo discurso em que falava sobre os poderes miraculosos do filho de sua divindade única, chamado Jesuscristo. Havia uma representação simbólica modelada desse personagem na parede posterior à mesa chamada altar, em que Jesuscristo estava fixo pelos membros superiores e inferiores a pedaços do corpo morto de uma criatura comum na Terra chamada árvore. Enquanto Padrevilson falava, boa parte dos humanos que assistiam falava sobre outras coisas. As fêmeas falavam das fibras artificiais que cobriam o corpo das outras, e os machos sobre seus veículos terrestres de transporte familiar.

Os humanos, que aparentemente são monogâmicos nesses rituais, mesmo acompanhados, em momentos de aglomeração costumam cortejar visualmente outros humanos. O ritual aqui descrito não foi excessão. Sem contar Padrevilson, que por pertencer a uma casta que não pode se relacionar sexualmente com outros humanos adultos, só olhou para alguns filhotes machos que ajudavam na cerimônia.

Próximo ao fim do ritual, Padrevilson e outros machos foram ao fundo do edifício e retiraram utensílios que pareciam muito importantes. Tratavam-se de recepientes circulares feitos de uma liga de bronze e zinco. Um deles estava cheio de pastilhas brancas feitas da semente de um ser vivo chamado trigo. O outro recepiente trazia uma bebida feita do extrato fermentado da fruta de outro ser vivo chamado videira. Para os humanos desse grupo as pastilhas são pedaços simbólicos de tecido muscular do filho do seu deus, Jesuscristo, e a bebida, chamada vinho, simboliza o tecido conjuntivo líquido que circulava pelo seu sistema vascular. Os auxiliares de Padrevilson distribuiram os pedaços simbólicos para todos, menos os filhotes. Já a bebida ficou reservada ao macho chefe. Esse rito é, provavelmente, resquício de antigos hábitos antropofágicos humanos.

A cerimônia acabou com a música do macho gordo. Então todos os humanos se dirigiram a seus veículos terrestres de transporte familiar. Um fato curioso aconteceu então: apesar de Padrevilson falar muito que Jesuscristo, antes de ser fixo aos pedaços do corpo de uma árvore, falava que os humanos deveriam se ajudar, nenhum humano que saía do prédio, chamado igreja, ajudou um outro ser humano que estava caído sob efeito de bebidas com teor alcoólico e com fome.

Aguardo instruções sobre a destruição do planeta.