Em lugar nenhum

Eu era feliz lá onde me sonharam. Eu morava num sítio igual a Casa do Sol da Hilda Hilst, mas só que sem um monte de cachorros. Era um lugar bem espaçoso, que podia ser perto do mar ou na serra, cheio de árvores, onde eu recebia meus amigos pra gente ficar conversando até secar o assunto, até a gente se enjoar, que é como eu gosto de conversar: até eu não mais ter como inventar coisas pra continuar por perto.

Eu sempre gosto de me permanecer na presença das pessoas que eu mais gosto. É tão assim que, quando eu saio com um dos meus amigos que sempre tem um depois pra fazer depois da nossa conversa, eu já vou com cara de sofrimento porque eu sei que não vai ter acabado todas as minhas invenções até a hora de ele ir embora. Quando eu o vejo no reencontro, eu já pergunto: “Paulo, tu já não vai embora não, né?”, e ele sempre diz: “não, Cris, mas daqui a pouco eu vou ter que ir, infelizmente”. E eu fico agoniada, e falo um monte de pedaços de histórias, e ele fica agoniado, e a gente nunca se encontra sem agonia.

É muito bom a gente nos sonhos: a gente e as coisas são como realmente queríamos que fossem; se não, a gente deixa pra lá. Às vezes, os sonhos ajudam a clarear as idéias. Por exemplo, antes de me sonharem na minha Casa do Sol, eu já sabia o que eu queria, mas não tinha tanta certeza de que era um sítio enorme, que podia ser perto do mar ou na serra, cheio de árvores, onde eu pudesse reunir as pessoas até eu não agüentar mais, ou onde eu pudesse ficar em paz quando quisesse.

Eu sonho muito, comigo, com os outros, e com as coisas. Mas, mais do que sonhar, eu invento sonhos.

São nos meus sonhos inventados onde eu mais vivo: eu durmo, acordo, e passo dias neles. De vez em quando eu os enjôo, mas, muitas vezes, é como eu sou mais feliz, é quando eu fico mais em paz, é quando eu tenho o que eu mais quero, é como eu menos incomodo a mim e aos outros.

Esses dias eu tenho sonhado a vontade de uma amiga numa dessas sextas-feiras de tarde, que é assim: “estar num barco, num mar sem ondas, indo pra lugar nenhum...”.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 30/06/2006
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