RETRATO DE UMA FAMÍLIA
Crônica/Conto
Para TV
Roteiro: Júlio Sampietro
Curitiba - PR
Personagens:
João:
pai de família pobre.
Helena:
esposa de João.
Seus filhos:
Joãozinho Júnior – 9 anos
Mariana – 7 anos
Pedrinho – de colo
Animais:
o1 gato velho
o1 Cãozinho magricela
Época:
Noite de Natal de qualquer ano
Cenário principal:
Uma casa pobre c/ fogão a lenha
CENA I
CENTRO DA CIDADE (externas)
João – Funcionário braçal de uma empreiteira sai de seu emprego, passa de fronte às vitrines de lojas e fica admirando os presentes, as bebidas, castanhas e nozes. Seu semblante é amargo, carregado de tristeza por não ter dinheiro para comprar e levar à parentela.
O natal anima a cidade com luzes e enfeites, os mais lindos que os seus olhos podiam imaginar. João sempre foi pobre. Pobre de fato.
Com o pouco dinheiro ganho em seu trabalho, passa na padaria e compra leite para as crianças.
CENA II
CASA DE JOÃO
(Dois meninos, uma menina e a mulher, formavam a sua família. Um cãozinho sarnento vigiava o quintal. Um gato velho não saía do lado do fogão e caçar ratos era para ele, aposentadoria requerida.)
(Estavam reunidos numa noite de Natal em conversa de rotina porque não tinham televisor e estava sem pilhas o rádio. Em volta do fogaréu se aqueciam no rítimo estralejante dos gravetos que ardiam na labareda e a chaleira fervia para ser coado um cafezinho estimulante.)
Helena – Como foi o dia, João?
João – Trabalhei por duas pessoas hoje. Êta serviço pra cansar.
Helena – Natal... Pra quem pode aproveitar... Eu até que gosto do Natal.
João – Só que o patrão conseguiu tirar a minha alegria.
(João, meia-idade, cabelos Black-white, nem gordo, nem magro, mas cansado dos dissabores da vida, fitava pensativo o fogo que se infiltrava na grelha e matutava consigo. Abatia-se quando achava que tudo poderia ter sido melhor para as crianças e a mulher. O destino lhe reservara uma vida comum, sem recursos que pudessem dar o conforto que tantos outros desperdiçavam.)
Helena – (esquenta o leite das crianças)
João – O patrão continua pegando no meu pé.
Helena – Causo daquilo de novo, João?
João – É... Ele acha que não tenho a prática dos colegas.
Helena – Patrão é assim mesmo. Afinal, você nem é pedreiro.
João – Pelo menos isto eu poderia ser. A cidade não tem serviço pra um caipira igual a mim. Tentei arrumar outros, mas o mar não está pra peixe.
Helena – Prá ninguém. Se eu pudesse, ia lavar e cozinhar, na casa das madames. (serve o leite para as duas crianças) Mas como é que vou largar as crianças?
João – Não se aveche, mulher. A obrigação de manter a casa é minha. Se Deus quiser, as coisas vão melhorar, tenho muita esperança.
Helena - Deus te ouça, tenho rezado muito João, muito mesmo.
(Pedrinho, o caçula, dormitava no colo da mãe com os pézinhos nus e não tinha ainda, dois anos. Joãozinho Júnior, o maiorzinho, brincava com o carrinho de plástico sem rodas como se fosse um de verdade. Mariana, a menina de sete fazia rabiscos com seu toco de lápis num caderno cheio de perguntas aritméticas.)
João – (suspiros) - Ah! Helena, quanta coisa linda na cidade! As ruas enfeitadas. Gente correndo pra todo lado, gente apressada. Só pra comprar, gastar o que tem com seus parentes e amigos.
Helena – Isso é que é danado de bom. Ter com o que gastar.
João – Um dia vou chegar lá. Você vai ver. Vou mesmo!Helena –– É só o que falta pra nós, João. Você é um trabalhador.
João – (indo até Helena, beijando-a e acariciando a criança) – É... Como diz o ditado: “Azar no jogo, sorte no amor”.
Helena - Apesar das dificuldades a gente nunca brigou e eu vou amar sempre você.
João – (dá outro beijo carinhoso em Helena) – Eu também te amo, Helena. Você e as crianças são meus grandes tesouros. Agradeço muito a Deus por isso.
Helena – (leva o neném para o bercinho)
(De vez em quando, ouvia-se na calada da noite, a latida esquisita do cãozinho magricela. Nesse meio de tempo, João cerrou os olhos e sonhou. Sonhou a vida que queria, sempre em companhia dos seus:)
CENA III (Externa)
SONHO – “Uma casa de alvenaria com varanda; quintal repleto de frutas; a mulher com seu vestido estampado; as crianças correndo pelos arredores de botina e chinela; um milharal, um mandiocal, porcos, cabritos, galos e galinhas. Ah! Como tudo aquilo era bom! Dinheiro não faltava no bolso. Pedrinho tinha até um bercinho de aço e todo de espuma o colchão. João era feliz! Não deixava de atender os que por lá batessem sem teto e sem pão. Os filhos o abraçavam com muita euforia e o amor de sua mulher ficou mais atiçado, querendo retribuição...”
CENA IV
CASA DE JOÃO
Helena – (após arrumar a criança no berço, chama as outras) – Chega de bagunça!
Já pra caminha!
Todo mundo!
João – (Despertando do sonho )
A mulher o acordou de toda aquela embriaguez.
João - (olha pra sua mulher. Para o fogo. De novo pra sua mulher e uma lágrima rola sem querer)
Helena – Que é isso, João? Você esteve chorando?
João – Não foi nada, não!
(e indo fechar a tramela de pau, disse encostado à janela: )
João - Passe o café que já vou me deitar. FIM