Crônicas da Esquina ( Prolegômenos )
PROLEGÔMENOS
Nosso amigo Beto detesta prolegômenos. Em geral, tampouco eu, embora reconheça o valor que possam ter quando temperados por um gourmet de língua refinada. Mas se o tempero nos vem em excesso, empaturramo-nos até o sono impróprio e bocejante, atitude sempre pouco auspiciosa em nossa esquina. Afinal, nada mais desagradável do que estampar sinais de cansaço ante o amigo incansável na arte de descascar prolegômenos com vivaz paciência. Mas, no caso em questão, salivação excessiva aguça-lhe o gosto. Que fazer?
Nosso amigo Beto não pensa assim. Decididamente, prolegômenos aborrecem-no. Não raro, senta-se só a um canto e, naquela solidão de quem adora solilóquios, degusta sua cerveja. Como a pressa não costuma acompanhar-lhe, o amigo aguarda a companhia ideal. Mas enganam-se os que lhe exageram a paciência, pois não costuma ver com bons olhos o aluguel de seus ouvidos por questões de menor monta, mormente fofocas. Nesses casos, torna-se monossilábico. Apenas o olho acompanha com displicência aquilo que mais lhe parece o desfiar de um terço.
A cerveja esquenta. Goles escasseiam. O amigo aguarda o momento exato de lembrar algum compromisso talhado para momentos como esses. Então ele vaza. Quase imperceptível, desliza para fugir da sanha dos prolegômenos. Em breve, recuperado, poderá ser visto em outras mesas cujos assuntos primem pela objetividade e poder de síntese.
Atento, nosso amigo Beto observa os companheiros. Vasculha discursos e fareja-os como a querer encontrar traços de prolixidade. Seu faro alérgico é incorruptível e, num piscar de olhos, saberá se prolegômenos serão oferecidos à guisa de petiscos.
Eu cá, contudo, percebo a crônica canhestra. Não pelo amigo Beto que lhe serviu de molde, mas pela superabundância de prolegômenos que desviaram-me a atenção. Isso posto, sem mais delongas, peço minhas sinceras desculpas.
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ.