URBANOS

Meus livros são urbanos. Eminentemente urbanos, como eu. As personagens são nascidas nos grandes centros ou, aglutinadas por eles, perdem toda e qualquer ligação com a sua origem. Conheço os males urbanos. Dos que me são familiares, discorro com facilidade. Ao contrário do que muitos pensam, não é difícil encontrar dramas na alta sociedade. Os ricos também sofrem. Em alto estilo, é verdade, mas... diante de inimigos ferozes, muitas vezes toda uma fortuna pesa e agride pela própria impotência. Todo recurso disponível não consegue evitar tragédias... não cura o incurável... não resgata a vida. O dinheiro não compra bens interiores: amigos... família... amor... Eu sei disso, passiva e ativamente. O que não se deu comigo, eu vi de perto... A dor dos semelhantes... Dos outros males urbanos eu busquei saber. A dor dos não semelhantes me parecia distante, inatingível, sem importância... mas eu fui atrás. Perguntei, fotografei, pesquisei... Descobri um mundo de desgraças de A a Z, de todos os tipos, para todos os gostos, da mais alta a mais baixa posição social. Me especializei nisso. Falo das pessoas presas entre quatro paredes, sejam elas de tábuas ou de tapetes persas. Dos que circulam pelas vias, a pé ou nos importados, e que são igualmente alvos perdidos de balas certeiras. Dos que estão dentro e fora das grades, nos presídios ou nos condomínios de luxo. Dos perdidos, sem saber o que fazer com o que têm ou não. Dos sentimentos e emoções emparedados com a argamassa do progresso. Masoquismo meu? Não. Nem deles... O paraíso terreno é um mundo distante, talvez mesmo, lendário... Uma utopia. O mundo cresce e parece girar mais rápido a cada dia. O bom e o bem são escassos... Os maus e os males se alastram... A guerra vive na própria paz. Não existe felicidade, apenas, talvez, momentos felizes e, cada vez mais ínfimos. O resto, é o real. É onde as pessoas vivem, onde elas se realizam como podem. É o que elas identificam e entendem como verdadeiramente possível.

Muitos consideram o meu trabalho extremamente criativo. Estão enganados. Ou são cínicos. Eu escrevo a verdade, e muitas vezes, a minha... Mas, a verdade está fora de moda... ninguém mais acredita nela... está em desuso. Mais vale uma boa mentira...

É o que eu faço.

(trecho do conto Olívia, ainda inédito)

Maria Luiza Falcão
Enviado por Maria Luiza Falcão em 10/07/2006
Código do texto: T191393