Elogio aos sete pecados capitais: o orgulho
Só por ficar com a responsabilidade dos inúmeros impropérios direcionados à vaidade e à soberba, o orgulho necessita ter seu mérito reconhecido. Por isso, advogarei a favor do condenado.
O preconceito com o orgulho é tão forte que a maioria das pessoas tem dificuldade em defini-lo. Para não dar margem à qüiproquós, começo expondo meus conceitos. Restringirei-me ao orgulho pessoal porque orgulho pelos outros é comum (principalmente de pais para filhos). O orgulho popularmente condenado é aquele que o próprio sujeito se transforma em objeto (de apreciação).
Embora freqüentemente associado à vaidade, o orgulho possui maior proximidade com a auto-estima, que também é confundida com vaidade. Contudo, a vaidade é acionada quando recebemos valoração (negativa ou positiva) de algum atributo nosso: físico, emocional e/ou intelectual; já a auto-estima está relacionada à avaliação que fazemos de nós mesmos. É nossa relação conosco, que também pode ser negativa ou positiva. Trocando em miúdos, a vaidade está relacionada a opinião dos outros sobre nós e a auto-estima, à nossa opinião sobre nós mesmos. Em meu entendimento, orgulho é reflexo da auto-estima positiva.
Para facilitar a compreensão, o orgulho deve ser entendido como algo oposto à culpa. Quando, conforme nos avisam nossos valores ético-morais, temos consciência de termos feito algo errado, somos dominados pelo sentimento de culpa. O raciocínio oposto vale para o orgulho. Além de dificilmente reconhecermos nossos méritos, sentimos vergonha, ficamos sem jeito e reprimimos a manifestação de alegria quando recebemos algum elogio. Mas não vejo necessidade de demonstração de modéstia. Toda modéstia é falsa mesmo. Por que não nos sentirmos à vontade em expressar orgulho ao possuir algo digno de admiração ou ter alguma atitude reconhecida? Essa tendência à autoflagelação moral é resultado de uma cultura que, entre inúmeras arbitrariedades, aponta para a valorização do outro e a negação de nós mesmos.
Nosso comportamento só me faz crer que nunca nos preparamos para sermos bem-resolvidos, felizes. Primeiramente porque idealizamos a felicidade como uma situação de alegria intensa e constante; uma vida isenta de problemas; uma existência com efeitos especiais de levitação, brilho, música... E não paramos para pensar no que pode compôr a tão sonhada, mas, com a mesma proporção de intensidade, tão pouco vivenciada felicidade. Se tentarmos dissecar o cadáver da felicidade (porque de tanto idealizá-la e confeitá-la a colocamos num patamar inatingível e irreal) certamente encontraríamos o orgulho, as veias do cadáver, em todas as partes. Sei que a metáfora é bem forte e tétrica, mas é proposital.
Tristemente, fomos bem treinados para aceitar prontamente o que nos legam de mal, tornando a vida ainda mais pesada do que já é. Não fomos educados para nos sentirmos satisfeitos conosco, apenas com os outros. O que, se não fosse dramático, seria até engraçado porque para ficar bem com os outros entramos em conflito conosco, nos anulando, reprimindo ou negando. Não nos damos conta de que o que vale para o outro deve valer para nós também. A idéia de amor ao próximo deve ser sinônimo de amor próprio. Senão, nada disso faz sentido porque nós somos o outro para o outro; desse modo, o outro somos nós.
Para finalizar, numa realidade em que o índice de depressão atinge patamares altíssimos, condenar nossa autovalorização é corroborar o ponto crítico da saúde mental da contemporaneidade. Por isso, devemos nos voltar para o orgulho com a mesma preocupação que devemos ter com outros fatores da vida; ou seja, a atenção deve ser com a graduação de importância que atribuímos a ele, não com o sentimento em si. Nada que o equilíbrio não resolva. Orgulho puro e simples não faz mal a ninguém, ao contrário, faz um bem danado.