Gravidez temporã
Há muito tempo, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal é exemplo de bom atendimento e respeito ao público. As cidades incharam, a frota automobilística, proporcionalmente, cresceu mais do que a população, e o Detran-DF, infelizmente, parou no tempo. Perdeu a corrida.
A qualidade dos serviços ainda é louvável, mas a autarquia deixa a desejar no item quantidade. Se você não madrugar às portas da repartição, dificilmente conseguirá resolver seus problemas.
Cedo, entrei na fila para vistoriar meu surrado Corsa. Às 11h30, saí do veículo para alimentar os pulmões e o estômago. Nicotina e alcatrão para o primeiro e um salgadinho safado para o segundo.
Lá longe, vi uma figura que me pareceu familiar. Seria o Mangulão?
O corpo arredondado, a barriga proeminente, os cabelos esbranquiçados e aqueles óculos que eu não conhecia provocaram dúvidas. Os mais de dois metros de altura e o desajeitado jeito de andar, porém, não deixavam me deram a certeza. Ali pertinho de mim, estava um colega de faculdade. Colega de 36 anos atrás.
Surpresa maior: ao seu lado, em vestido solto cobrindo enorme barriga, Celinha, a sua namorada dos nossos tempos de CEUB.
- Mangulão!?!?
A figura me estudou por alguns minutos e, logo, um sorriso se abriu:
- Índio? Não é possível! Celinha, ‘ocê num tá reconhecendo o Índio?
Abraços, cumprimentos, perguntas, lembranças...
- Puxa vida, estou feliz pelo reencontro. Mais feliz por saber que vocês casaram e que ainda tão fazendo menino. Na hora em que eu sou avô de um garoto de 11 anos, vocês ‘inda tão pondo gente no mundo...
Mangulão abriu um sorriso, puxou-me pro lado e confidenciou:
- Que menino que nada, rapaz. Eu tou mexendo com revenda de automóveis e tenho que vir ao Detran todos os dias. Com essas filas enormes, eu não dou conta de resolver meus negócios. – E arrematou. – Resolvi comprar uma barriga postiça para a Celinha e ela, diariamente, monta a gravidez para ter atendimento preferencial...
Com um tapa nas minhas costas, ele encerrou:
- Tu tá pensando que eu sou leso? Já faz mais de um ano que ela tá “grávida”...
É. Zé Eustáquio, o Mangulão, meu colega de faculdade, não mudou nada.