UM PRESENTE DE GREGO

O CEP - Centro Educacional de Periperi era chamado pela comunidade suburbana de "O Comercial". Esse colégio, um dos filiados a CNEC, com uma particularidade: sendo o único dos 3.000 existentes no território brasileiro que fugia a uma obrigatoriedade estatutária na sua denominação principal - não possuía a palavra CENECISTA. Como por exemplo: Educandário Cenecista de Paripe, Centro Educacional Cenecista São Roque, etc.

Em 83,logo no início do ano letivo, o "Comercial" começou em festas, com a inauguração de um Pavilhão destinado à administração do Colégio, a ampliação do refeitório e a remodelação de um moderno laboratório destinado ao Curso Técnico em Químnica.

O Pavilhão tinha térreo e primeiro andar, abrangendo os seguintes setores no térreo: Casa de Força de Energia Elétrica. A Mecanografia - equipada com 3 mimeógrafos a óleo e 10 máquinas de escrever. A Secretaria - com todo o maquinário e mobiliário novo. A Tesouraria - equipada com cofre e maquinários novos. A Coordenação Pedagógica - equipada com mobiliário novo. A Recepção - equipada com interfone para a comunicação com os diversos setores da escola. A Vice-Diretoria - com poltronas e sofás. A Sala de Professores - com acomodação para 100 pessoas. A Enfermaria - equipada com macas e medicamentos em casos de emergencia. No primeiro andar havia as seguintes seções: Um Auditório - com capacidade para acomodar 350 pessoas. O Departamento Pessoal - equipaDO com móveis novos. O SOE -Serviço de Orientação Educacional. A Sala de Visitas da Diretoria - bastante confortável e a Diretoria.

O laboratório foi ampliado e equipado com novos instrumentos adequados para o funcionamento perfeito do Curso de Química, face às exigências do Conselho Regional de Química da Bahia.

Nesse período só havia dois Cursos Técnicos em Química, a níveis médios, reconhecidos pelo Conselho Regional de Químnica, no estado da Bahia. Um deles era da Escola Técnica Federal da Bahia - com funcionamento durante o diurno que se exigia um teste de seleção para o ingresso;o outro no Centro Educacional de Periperi - com funcionamento no noturno, exigindo para o ingresso a conclusão do primeiro grau (hoje ensino fundamento).

O curso de química do Comercial tinha a duração de quatro anos, sendo que no último ano era obrigatório fazer o estágio supervisionado em uma das indústrias do Pólo de Camaçari, conveniadas com o Colégio. A maioria dos profesores do curso de química era chefe de laboratório de indústrias do Pólo Petroquímico, o que facilitava a colocação total dos alunos concluintes, com um salário atrativo e razoável para a época.

De todas as primeiras séries dos diversos cursos existentes no estabelecimento, a série que mais reprovava no final de ano era do Curso de Química, devido às exigências dos professores. Por isso havia sempre uma crítica nas reuniões de professores, entre a Coordenação Pedagógica Geral e o Conselho de Classe do curso.

O referido foi equipado com 100 mesas - com capacidade para atender 400 pessoas, com imenso fogão industrial de 12 bocas e 9 frízeres.

Na inauguração desses conjuntos arquitetônicos estavam presentes alguns Diretores de indústrias do Pólo Petroquímico, o Prefeito de Salvador, Secretários de Educação do Município e do Estado, diversos políticos, um Senador de Brasília, que vamos chamá-lo de Justino Justo dos Justos com os seus assessores, diversos gestores da CNEC - Estadual(sede em Patamares) e Nacional (sede em Brasília), como também diversas pessoas representativas da comunidade de Periperi.

No início da festa, foram feitos inúmeros discursos pelas autoridades. Umas, elogiando o trabalho desempenhado pelo diretor na comunidade escolar. Outras, a homenagem que o diretor fizera ao Senador, denominando o pavilhão da administração do colégio, em uma placa de bronze, de "Pavilhão Senador Dr. Justino Justo dos Justos".*

O Senador, no seu discurso, agradeceu com emoção políitica a homenagem que o gestor escolar lhe prestara e garantiu-lhe o apoio político para candidatura de Deputado Estadual, visto ser uma das pretensões tão sonhada do diretor.Prometeu-lhe apoio financeiro para o trabalho desempenhado pelo diretor junto à comunidade escolar.

Findando os discursos e as saudações feitas pelas autoridades,logo em seguida, a comitiva de convidados se dirigiu às novas instalações do complexo escolar. Esses assinaram uma ata e registraram seus elogios e impressões no "Livro de Visitas" do estabelecimento de ensino.

O senado era um senhor de meia idade, bastante sorridente, usava óculos de grau de lentes grossas. Possuía um bigode grisalho vasto. Sua cabeleira era negra. Apresentava ser um cidadão bastante forte para a idade. Seus gestos transmitiam uma calma indescritível. Demostrava ser uma pessoa carismática, amiga e popular, fez questão de apertar a mão de alguns funcionários e dos professores que estiveram presentes ao evento.

As diversas autoridades deixaram o colégio, permanecendo o senador com seus assessores. No auditório récem inaugurado, o político conversou informalmente com os professores. Chegou a dizer que quem necessitasse dele e quisesse fazer algum pedido dentro das possibilidades dele poderia escrever para ele no Senado.

Naquele momento em que o político oferecia os seus préstimos aos presentes, levantou-se a tesoureira do estabelecimento sem nenhum acanhamento fazendo um pedido ao senedor:

- Dr. Justino seria possível o senhor conseguir uma verba em Brasília para ajudar o nosso Colégio?

O diretor que estava sentado ao lado do senador olhou para a funcionária com olhar repreeensivo sem pooder dizer nada. Então o senador disse:

- Como é o nome da senhora?

- Eu sou Naildes, tesoureira do Colégio.

- Muito bem Naildes! Não é difícil se conseguir verbas para este tipo de entidade. É fácil...

- Olhando para um dos seus assessores ordenou:

- Laércio anote em sua agenda. Assim que chegarmos Brasília, lembre-se para providenciar uma verba para o Centro Educacional de Periperi.

- Agradeço Dr. Justino em nome dos professores... - disse Naildes.

- Não há nada agradecer. Estou sempre às ordens de todos, no Senado, para atender às solicitações de vocês pela causa da educação e desta grande obra comunitária.

Passado três dias da saída do senador, o diretor fez publicar no mural da Sala dos Professores um "Telex", comunicando o crédito, na conta-corrente do Colégio, no Banco do Brasil, uma verba no valor de Cr$ 10.000.000,00, (Dez milhões de cruzeiros) vindo de Brasília, por intermédio do senador Justino.

Em uma reunião de professores, o diretor falou que tinha estado na mansão do senador em Brasília e havia conhecido os curiós do senador. O político era apaixonado por curiós. Tinha curiós de diversas partes do Brasil, cada um com um cântico diferente. Seus curiós eram campeões de canto. Na sua coleção havia pássaros que era mais valioso do que certos carros da passeios.

Então o diretor teve a idéia de presentear o político com um curió. Chegou para um dos fucionários do colégio, o Adão, conhecido como "Alagoas", que trabalhava na limpeza do colégio, e disse:

- Alagoas, você que entende muito de curió e cria curió, arranje-me um curió bom para eu comprar. Eu preciso de um para dar de presente ao meu amigo senador, em Brasília.

- É seu Zé! Eu tenho dois curiós bons. São cantadores.

- Eu tenho um amigo que quer vender o curió dele. Eu conheço o curió dele. O curió dele é muito bom... Bom mesmo! Melhor do que os dois que eu tenho lá em casa. Se o senhor quiser posso falar com ele.

- É Alagoas, eu estou interessado. Você sabe quanto ele quer pelo curió?

- Eu sei, seu Zé.

- Dois salários mínimos e meio.

- Está muito caro Alagoas! Dois salários e meio por um passarinho!

- Não está caro, seu Zé!... Este curió que eu estou lhe dizendo vale mais do que cinco salário mínimos. Ele quer vender porque está muito apertado... Ah, seu Zé! Eu só não compro esse curió porque não tenho dinheiro. Se eu tivesse dinheiro eu compraria...

- Bem Alagoas, diga ao seu amigo que estou interessado no curió dele. E quando você me dá a resposta?

- À tarde eu dou a resposta ao senhor.

No meado da tarde o diretor chama Alagoas e falou:

- Alagoas você falou com seu amigo como combinamos?

- Sim, seu Zé. Ele me disse que não pode vender o curió por menos de dois salários mínimos e meio.

- Bem Alagoas. Diga a ele que eu dou um salário mínimo e meio na entrega do curió e com vinte dias eu darei a quantia restante.

- Sendo assim, seu Zé, eu vou agora mesmo na casa dele, falar com ele.

- Vá logo, Alagoas. Se possével traga logo o curió.

Ceca de uns cinqüenta minutos, aparece Alagoas com o curió em uma gaiola modesta, dizendo:

- Seu Zé, não é um curió bonitinho. Ele é novinho. Não está cantando muito poorque está na muda. Se o senhor botar no tempo e o sol começar a esquentar, ele começa logo a cantar...

- Meu caro Alagoas, como combinamos. aqui está o seu cheque no valor de um salário mínimo e meio.

- Obrigado seu Zé. Agora o senhor precisa comprar uma gaiola decente para este curió.

- Eu sei disso, Alagoas. Amanhã mesmo eu vou mandar alguém procurar para comprar na cidade uma gaiola decente.

No dia seguinte o diretor mandou um funcionário da escola a cidade comprar uma gaiola apropriada para cuiró. Recomendou-lhe que comprasse a melhor gaiola que encontrasse na praça. E assim foi comprada uma gaiola cara e elegante.

O diretor providenciou o registro do pássaro e toda a documentação necessária nos órgãos competentes para embarque. E assim o curió seguiu de avião para Brasília.

No dia subseqüente, o diretor recebe um "telex" do senador de Brasília agradecendo o presente.

Passaram-se quase um mês e meio, Alagoas foi até o diretor cobrar o restante da dívida e teve a seguinte surpresa:

- Você não tem vergonha de me cobrar pela venda de um curió sem valor comercial! Por um curió comum! Você me enganou!!! Já vi que você não entende nada de curió! O curió que você me vendeu estava doente! Muito doente! Contaminou todos os curiós do senador! Que lástima! Você me fez dar um "presente de grego" a Dr. Justino! Maldita hora que eu fui comprar esse curió, por seu intermédio, em mãos de seu amigo! Não sei onde estava minha cabeça para confiar em você. Morreram todos os curiós do senador!!! O senador ficou de cama! Tornou-se meu maior inimigo...

- Olha seu Zé! Não foi minha culpa!

- Não foi a sua culpa?!! A minha é que não foi! Você me fez dar um prejuízo inestimável e irrecuperável ao senador!!!

- E agora, seu Zé! O que vai acontecer?! O que será de nós???

- O que vai acontecer!!! Ou o que está acontecendo! Está acontecendo que não tenho mais apoio político para a minha candidatura a deputado. E o pior é que há poucos instantes acabei de receber um "telex" de Brasília me exonerando do cargo de diretor deste colégio! Tá bom, "seu" Alagoas a merda que você fez!!... Por favor, faça-me o favor de sair da minha sala!!!

EVERALDO CERQUEIRA
Enviado por EVERALDO CERQUEIRA em 15/07/2006
Reeditado em 27/05/2008
Código do texto: T194516