Então é Natal

Então é dezembro, e mal iniciado o último mês do calendário encontramo-nos submersos em tudo aquilo que a data natalina invoca: avenidas com enfeites luminosos, promoções no comércio, flocos de isopor à guisa de neve, panetone no desjejum, um certo frio característico do fim de ano. A vida na grande cidade, porém, não abandona seu curso frenético. Carros em desassossego amontoam-se nas ruas ao final do expediente, mas se algum apressado irritar-se com o vizinho da frente que não se atentou para o sinal aberto, será ele surpreendido por uma doce voz infantil a sussurrar-lhe nos ouvidos, dizendo baixinho: “Abrandai vosso inquieto coração. Eu sou o espírito natalino”. E ao menos por esses dias a vida deixará de lado um pouco da sua aspereza.

Mas não nos esqueçamos do enorme contingente de excluídos, disseminados pelas favelas, periferias e outros rincões da pobreza no país, para os quais o Natal não passará de uma noite fria. Quando muito, se alegrarão das migalhas da felicidade alheia. Para eles, restará apenas o deslumbramento ante as vitrines decoradas e a companhia dos entulhos televisivos. Se notados, serão alvejados por olhares de desconfiança e repúdio, compelidos a voltar para o lugar escuro de onde jamais deveriam ter saído. O destino de tais indivíduos não seria muito diferente da sorte que acompanhou certa família numa madrugada gélida, há pouco mais de dois mil anos, na cidade de Belém, deserto da Judéia. Marido e esposa, ela prestes a parir, não encontravam lugar para repouso em nenhuma das várias estalagens da cidade. Destratados pelos locais, o casal foi acolhido por um pastor que lhes ofereceu o estábulo da sua propriedade como hospedagem. Por ali mesmo, entre as criações, a mulher deu à luz e um certo menino veio ao mundo, como tantos outros que ainda hoje nascem no seio da miséria, sem qualquer expectativa de vida futura.

Meu ideal de Natal seria aquele de celebração no sertão de um interior qualquer, ao largo de toda infantaria tecnológica. Que num canto da varanda, mas à vista de todos, existisse um presépio onde se destacasse a figura do menino Jesus, gloriosamente repousado na manjedoura e protegido por todos os anjos celestiais. Velando seu sono, a Virgem Maria e toda sua candura materna. Ao fundo, quase que escondido pelos animais, a figura austera e resignada de José, que como legado nos deixou a maior de todas as lições de humildade, ao receber como seu o Filho enviado por Deus.

Que na mesa da ceia, forrada com um velho tecido xadrez alvirrubro, fossem servidos frango caipira e leitoa assada para o jantar. Que no terreiro fosse acesa uma grande fogueira, onde ao redor pudéssemos esquentar nossos corpos, e para alegrar o espírito uma boa cachaça mineira. Crianças aos pulos, satisfeitas com seus brinquedinhos de madeira. Uma viola dolente ao luar para nos fazer chorar de saudade, e um bom contador de causos para nos roubar fartos risos. Que nossos corações se fizessem graves quando da lembrança dos nossos entes queridos. E que nesta noite nos fizéssemos mais humanos, mais atentos a todo o sentimento do mundo.

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Glauber Ramos
Enviado por Glauber Ramos em 08/12/2009
Código do texto: T1967677
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