O “girafo” de Drummond e o noticiário atual

Em 1981, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica sobre o “Girafo”, mais especificamente sobre “a solidão do girafo”. Isto mesmo, girafo, o parceiro da girafa. No caso, ele se referia à manchete de um jornal do Rio de Janeiro sobre a viagem de um girafo – quem sou eu para desdizer Drummond! – para outras terras, a fim de se acasalar com uma girafa no zoológico de um outro Estado.

Nos jornais de hoje, eu não localizei nenhum caso que me arrebatasse a inspiração, muito embora algo entre a estranheza e a indignação me sacudissem. A água encanada ainda não chegou aos bairros da periferia? O lixo é jogado a céu aberto por falta de opção, mas a taxa de imposto é paga do mesmo jeito? Da estranheza passei à perplexidade. Permanece a indignação.

As manchetes mais levezinhas dão conta de que oito pandas gigantes – dirias “pandos”, Drummond, e em busca das pandas, certo? – estão soltos pela China, depois do último terremoto. Eu só não te contaria, Drummond, sobre uma pedra no meio deste caminho, claro que não, e que ela atende pelo nome de radiação.

Se a China está “fritinha da silva?” Imagina! Está é feito pastel, daqueles tão recheados que se abrem antes da primeira dentada. Eu bem sei que o teu ouvido não é para frases descartáveis. Seria desrespeito dizer penico, mas tem outra, e até interessante, Drummond. O mundo hoje tem três bilhões e trezentos milhões de telefones celulares. Não é fantástico? Ao menos concordarias que é um tanto de comunicação! Lindo e contraditório. Lindo, porque a comunicação pode salvar a humanidade daquilo que perturbava o girafo: a solidão. Contraditório, porque descartar esses aparelhinhos não é tarefa das mais gratas ao ambiente, nem para o presente, nem para o futuro. E também porque a humanidade não quer ser salva. Duvidas? Como dizem os adolescentes, quisesse e não detonava com o meio ambiente.

Ah, Drummond, a moral humana continua cada vez mais abaixo da estatura do pescoço do girafo! Quem dera que a trama mais perturbadora, hoje, fosse o transporte de um desses bichinhos pelas ruas da metrópole! Mesmo assim, numa coisa haverias de concordar comigo: o pescoçudo deveria ser avisado com antecedência; talvez até assinar um termo de ciência quanto ao inusitado a que se exporia, principalmente quando bem próximo às janelas dos prédios. Imagina, Drummond, que até corpos têm sido arremessados.

Da série "Crônica Ambiente"

Cissa de Oliveira
Enviado por Cissa de Oliveira em 16/12/2009
Reeditado em 29/12/2009
Código do texto: T1980474