ISTO TAMBÉM É NATAL

Hoje, no restaurante em que trabalho, apareceu um senhor, vestido de maneira simples. Veio até mim e perguntou, na língua dos meus avós:

- O senhor é alemão?

Expliquei que me chamavam de alemão, mas que era brasileiro. Que aprendera a língua com meus pais , irmãos e vizinhos,. Percebi pela fala, a maneira como ele buscava as palavras que esta não poderia ser sua língua. Ele me explicou que era polonês, que a mãe dele era alemã. Que ele era marinheiro, eletricista em navios. Perguntei-lhe o motivo de sua visita.

- Eu sou marinheiro – disse - a vida inteira trabalho em navios. Já ganhei altos salários, como eletricista, mas hoje, por causa da grande oferta de mão de obra dos filipinos e a minha idade, 64 anos, o meu ganho não é tão grande. Grandes empresas de navegação da Europa costumam ter empresas e navios com bandeiras liberianas ou panamenhas para simplificar as exigências do setor e poderem contratar mão de obra segundo as leis daqueles países.

- Atualmente, meu trabalho era para uma companhia grega que fazia uso desses artifícios. Nosso navio saiu do Golfo do México com destino a Hamburgo, mas, no caminho parou em Cayena, Panamaribo e Georgetown, capitais das três Guianas. Em Georgetown alegaram que a empresa estava falida e que o navio não podia seguir viagem. Teria de ficar ai. Na minha vida, isto já tinha acontecido, contudo a empresa fornecia passagem de avião, para que cada tripulante pudesse voltar a sua cidade.

Eu observava o homem, em seu esforço para relatar isso. O esforço não vinha exclusivamente em procurar as palavras, mas também do incrível esforço que custava a ele relatar as humilhações que fora vítima.

- Em vez de nos darem as passagens, reuniram a tripulação e ofereceram cem dólares a cada um, para que fosse pra casa. Ora, isso é uma violação flagrante à legislação internacional. Ficamos mais dois dias no navio, enquanto fizemos o registro policial na cidade – mostrou-me um papel com as armas da Guiana Inglesa, com o registro da ocorrência, bem como uma foto do navio de 11.000 toneladas. – Sem conseguir mais nada do comandante do navio, fiquei sem saber que caminho tomar.

Discorreu a seguir sobre a violência na capital do país vizinho, cuja fama já era do meu conhecimento. Era visível o constrangimento do homem, que me mostrou seu passaporte cujo nome não era Eugen Schmidt Kotcza.

- Lá não poderia ficar, porque temia por minha vida. Poderia morrer porque os ladrões me tomariam por turista, por minha pele clara. Comprei uma passagem de ônibus até o Brasil. Ônibus de péssimas condições, em estradas piores ainda. Viajei quase três dias até chegar a Boa Vista. No escritório da Polícia Federal de lá, me encaminharam a Manaus. Foi outra viagem de ônibus, dessa vez muito melhor, de apenas 12 horas. Aqui, em Manaus, não sabendo nenhuma palavra em português, consegui ir a pé até o departamento da polícia federal e me apresentar, para não passar por clandestino e em busca de ajuda. Lá, me falaram que teria de ir a Belém, porque era o lugar mais perto para encontrar um consulado polonês.

Eu estava ficando comovido com a história daquele homem. Perguntei se já tinha comido, naquele dia. Ele me disse, contendo as lágrimas:

- Creio que meu estômago está até encolhendo.

Enquanto almoçava, contou-me que na busca por passagem de barco, encontrou guarida num barco ancorado no cais, onde podia dormir numa rede, e tomar banho no minúsculo banheiro.

- Sou muito grato à essa gente, mas a situação é muito humilhante. Eu pedi que eles me dessem a passagem, pelos restantes 85 reais que tenho no bolso. O comandante me explicou que o preço de passagem Belém até Manaus é de 250 reais, mas que descendo o rio, era de 170. Mas por serem 4 dias de viagem, com café, almoço e jantar, não poderia fazer mais barato.

Tirei 120,00 reais da carteira e dei ao homem. Ele me devolveu 20 reais, dizendo que ainda sobrariam 15,00 para ele comprar alguma água mineral no navio.

Indiquei-lhe a parada de ônibus com um bilhete com o número dos ônibus que poderia pegar para voltar ao porto. Na saída, ele me apertou a mão, com os olhos brilhando:

- O senhor não imagina como eu me sinto constrangido. Se e encontrar mais pessoas boas, poderei passar o natal em casa. Mas não tenho vergonha de dizer: muito obrigado. Sei que entende o que significa esse muito obrigado, nas atuais circunstâncias.

Muitas vezes na vida fui extorquido por pessoas que me contavam histórias comoventes. Algumas vezes, uma doação era para me livrar da pessoa. Dessa vez, me senti feliz por poder ter sido útil. Se a estorinha foi inventada, jamais saberei, mas me senti feliz. Fiquei torcendo para que este quase ancião, pudesse passar o final de ano junto aos seus, na sua cidadezinha na Polônia, perto de Gdansk.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 16/12/2009
Reeditado em 20/12/2009
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