O Mito das Sacolas de Plástico
 

       No ano passado, tendo como slogan o trocadilho “saco é um saco” uma campanha nacional com objetivo de incentivar os consumidores a reduzir o uso de sacolas plásticas foi lançada. O Ministério do Meio Ambiente, em parceria com entidades privadas e algumas ONGs pretende conscientizar a população brasileira sobre os prejuízos que o uso exagerado de sacolas plásticas acarreta ao meio ambiente. A mídia deu ampla cobertura, celebridades hollywoodianas e globais traziam nas mãos sacolas de pano de ultima grife, políticos tupiniquins subiram nas tribunas e pronunciaram frases óbvias. No comercio, testemunhei por varias vezes consumidores conscientes dispensarem a sacola plástica, bater no peito e pronunciarem uma frase que me parece, já ter virado um bordão “o meio ambiente agradece” e o fato é que agradece mesmo.
       No entanto, não me parece ser assim tão fácil. Será que pelo simples fato de não estar usando uma sacola plástica eu estaria fazendo a minha parte e contribuindo com o meio ambiente? Bom, na semana passada fui ao supermercado, comprei o trivial (arroz, feijão, óleo, margarina, sal, desodorante, barbeador descartável etc.). Levei tudo que eu tinha comprado em duas sacolas daquelas do tipo que se usa quando se vai à feira (retornáveis, apesar de serem feitas de um plástico bem resistente, usar esse tipo de sacola dizem ser ecologicamente correto). Em casa, coloquei todos os produtos que eu havia comprado sobre a mesa. E como todos já devem saber, e exatamente por isso não é nenhuma surpresa, com exceção da farinha de trigo, os outros produtos estavam todos embalados em embalagens plásticas, isso mesmo, plástico de varias espessuras, tamanhos, consistência, cores e formatos. O plástico utilizado para fazer todas essas embalagens daria para fazer quantas sacolas plásticas? Quando se compra um pote de creme para os cabelos ou um vidro de shampoo quantas sacolas plásticas estamos levando para casa? Na realidade, ao recusarmos as sacolas plásticas nas lojas só nos damos conta de quantas sacolas não levamos para casa não é mesmo. Mas então qual seria a solução? São tantos objetos feitos com plástico, tantas sacolas invisíveis, disfarçadas, fingindo serem outras coisas ou sendo somente aquilo que todos esses objetos realmente são: “Plásticos” poluidores do meio ambiente.
       Talvez uma saída fosse reutilizar as embalagens plásticas mais resistentes como aquelas que embalam shampoos, desodorantes, condicionadores e outros, como fazem com as garrafas de vidro de alguns refrigerantes e cervejas ate hoje, o problema é que isso acarretaria muito esforço e no mundo prático e veloz de hoje não temos mais tempo para tanto esforço. Outra solução seria substituir as embalagens plásticas por embalagens de papel, mas quanto de nossas florestas isso irá custar? - Incalculável você diria! - Não existe, evidentemente, uma formula mágica que vá por fim a essas indagações em curto prazo de tempo. Toda essa magia dependeria de uma mudança de atitude, comportamento, costumes e ética que até o prezado momento tem sido mal planejada em nosso córtex.
       Uma coisa, porém, é necessário que fique bem claro. As sacolas plásticas são como pragas, estão em todos os lugares, em todas as mãos como se fizessem parte de uma paisagem natural, mas não podemos negar que também são muito úteis.  O fato é que assim como a maioria de nós não criei e nem fabriquei nenhuma sacola de plástico nessa minha vida, entretanto, sabemos que é também por nossa causa que elas existem. Os objetos são assim, existem para satisfazer nossas necessidades e desejos e com o plástico não é diferente. O escritor, sociólogo, crítico literário e semiólogo Roland Barthes em seu magnífico livro “Mitologias” busca desmistificar os mitos constantemente criados pela imprensa, pelo cinema, pelas artes e vários outros mecanismos de divulgação que servem a interesses ideológicos. Para o autor “o mito é um sistema de comunicação, uma mensagem, uma fala e não um objeto”, nesse livro entre os vários mitos tratados pelo autor está o mito do “Plástico” que em uma exposição realizada na década de cinqüenta no século passado, causou certo frenesi na sociedade de época. Naquele momento, descobriam-se os objetos úteis e belos que poderiam ser feitos com o uso do plástico, de um simples balde a uma linda jóia a indústria do plástico introduziu seus produtos no cotidiano de nossas sociedades consumistas.
       O que precisamos desmitificar no caso da sacola de plástico refere-se uma falsa moral, a uma ideologia a ela atribuída. Algumas pessoas acreditam que estão realmente melhorando o meio ambiente com o simples ato de recusar as sacolas de plástico. Com isso, se sentem com o dever cumprido, como aquele bom samaritano que ajudou uma velhinha a atravessar a rua. Não é assim que a realidade flui, e pessoas sensatas como nós não podemos nos deixar levar por campanhas ideológicas e demagogas. Devemos sim utilizar cada vez menos sacolas plásticas, entretanto, não podemos fechar os olhos para todos os outros objetos de plástico e de varias outras substancias poluidoras que existem a nossa volta. Considerando todas as substâncias e matérias que poluem o meio ambiente as sacolas plásticas não representam nem um por cento, e imaginar que o simples ato de recusar algumas nos tornará seres humanos melhores e mais conscientes é de uma ingenuidade sem tamanho.
       Eu poderia dizer que o que a natureza espera de nós é atitude e racionalidade, que passa por um processo de mudança de comportamento e de valores, para que possamos compreender de uma vez por todas que sem natureza não há vida. No entanto, por mais que as minhas palavras pareçam sensatas, ainda assim, representam o que eu penso e não o que pensa a natureza. Somos uma sociedade consumista, individualista e predadora, nos relacionamos com a natureza e com as sociedades de uma maneira totalmente egoísta e alienada. Somos conduzidos, induzidos, barcos a deriva a mercê de um novo enunciado, esperando que nos digam o que devemos e como devemos pensar, alimentar, sentir, ler, desejar, assistir, acreditar ou qual modelo de sacola devemos usar. E se existe algum código pelo qual a natureza manifesta a sua vontade, provavelmente ele se manifeste no olhar inocente das nossas crianças e nos dias incertos das gerações futuras. Se vamos um dia parar de distraí-la, se vamos um dia salvar o nosso meio ambiente, não será por causa das infinitas feridas irreversíveis que já lhe causamos, pois isso, em nenhum momento de nossa História nos sensibilizou o suficiente. Se vamos um dia parar de destruir o meio ambiente será para salvar a nós mesmos. 
 
 
Obra Citada:
 
Barthes, Roland, (1950-1980) Mitologias; Tradução de Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. – 3º Ed. – Rio de Janeiro: DIFEL, 2007 256p.