O Precioso Presente
Um pequeno murmúrio começava a se fazer nos largos e longos corredores que serpenteavam o prédio da empresa. Ouviam-se apenas palavras baforejadas, que ao serem sussurradas sobre o ouvido do colega ao lado causavam uma incômoda sensação de aquecimento nas orelhas do ouvinte. O pequeno murmúrio foi tomando largas proporções, assemelhando-se se ao nascimento de um furacão.
- Quantos anos ela esta fazendo? – Murmurou Diego para João, que por sua vez, com espanto, retruca:
- Ela? Quer dizer que nosso amigo mudou de sexo?
Diego não conseguiu dominar a súbita vontade de gargalhar, soltando uma rajada sonora que atraiu a atenção de todos para sua pessoa.
- Desculpem-me pessoal, lembrei-me de uma situação engraçada e não pude me controlar. Desculpem-me, por favor!
Adriane, a aniversariante, estava concentradíssima em seus afazeres rotineiros e nem ouviu a gargalhada ecoar pelo corredor que dava para a sua sala.
No corredor, todos aguardavam o chefe terminar uma ligação e vir trazendo junto consigo um pequeno embrulho vermelho com listas amarelas, amarrado com uma fita azul desbotada.
- Tempo, tempo, oh tempo, não o tenho para estar gastando com tais futilidades. – Pensou Márcia, durante a interminável e tensa ligação do chefe.
- Como pode! Que pobreza! Se eu ganhasse tal presente, embrulhado com tal pacote... Nossa! Quanto embaraço! A lixeira seria o seu destino! – Exclamou o engravatado no fim do corredor para o colega a sua direita.
Finalmente, terminada a ligação, saiu o chefe ajeitando o colarinho e, à sua retaguarda, seguiram todos os outros em fila indiana ao longo do corredor, como soldados iniciando uma longa marcha sob o ardente sol de verão.
- Você entra primeiro Diego! – Exclamou o chefe autoritariamente, sem deixar nenhuma chance para retrucar.
Surpreso pelo imprevisto, Diego segue lentamente em direção à porta do Departamento Fiscal. Suas mãos suavam frias. Sua boca, há um minuto molhada, agora mal conseguia abrir-se, colando seus lábios pela falta de saliva. Num pulo, abriu a porta. Tímida e desafinadamente iniciou:
- Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida.
Na segunda parte do cântico, todos os colegas e o chefe, em coro, cantaram juntos, formando um coral desafinado de felicitações.
Adriane, pobre moça de pele branca! Sua face tomou a mesma cor de seus longos cabelos vermelhos, formando uma interessante combinação de cores. Seu fino rosto parecia afinar mais ainda com toda a tensão do momento sobre si.
- Cronicamente tímida. – Pensou consigo mesma. – O que farei agora? Sou o centro desse constrangimento.
Seguindo com as felicitações, tão logo que a cumprimentaram, dizendo todos praticamente as mesmas palavras, torcendo para que aquele desagradável momento terminasse, chegou o chefe com o precioso presente.
- Adriane! – Exclamou o homem. – Parabéns pelo teu dia, você é uma ótima empregada! A palavra “empregada” ecoou na mente da moça de tal maneira, que ela vezes ouvia empregada, vezes ouvia escrava.
- Muito obrigada senhor. – Respondeu ela com um falso sorriso, enquanto tomava em suas mãos o mirrado presente.
Terminada a folia, não havendo mais ninguém na sala a não ser ela mesma, arriscou-se a abrir o presente.
- Meias, malditas meias! – Disse ela. – E ainda por cima vermelhas, iguais às do ano passado! – Reclamou, ao mesmo tempo em que as jogava no lixo, juntamente com o cartãozinho onde se lia “Muitos anos de vida”, rodeado de balõezinhos opacamente coloridos.
No dia seguinte, ânimos acalmados, uma pequena criança chamou a atenção de Adriane no caminho para o trabalho: cabelos sujos, sua roupa era feita de pequenos retalhos, contrastantes com seus pés descalços, nos quais usava apenas um par de meias vermelhas, aparentemente novas.
- Tia, titia, você tem alguma coisa para dar? – Perguntou a garotinha. Após ganhar algum trocado, a garotinha agradeceu, dizendo:
- Que Deus te dê em dobro titia, assim como ele me deu ontem esse par de meias novas. Vou rezar para que a senhora amanhã também tenha a sorte de ganhar meias novas...